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A Voz que Resta faz uso da sua Fotografia como protagonismo

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Uma adaptação do monólogo homônimo, A Voz que Resta, dirigido pela dupla Gustavo Machado e Roberta Ribas, acompanha o jornalista Paulo, vivido pelo próprio diretor, ao longo de uma extenuante e febril madrugada em que ele reflete sobre o término da relação com a vizinha Marina, por sinal, interpretada por Ribas. E, como qualquer transposição cinematográfica de um texto originalmente teatral, há desafios em jogo que, aqui, foram enfrentados com um toque de originalidade e criatividade que só valoriza as palavras de Vadim Nikitin, um dramaturgo russo radicado em São Paulo desde os quatro anos que é o autor tanto da peça quanto do roteiro. 

A noite começa com o protagonista gravando uma fita k7 para a amada. Uma espécie de carta testamento, ditada e que se fosse escrita seria datilografada, não digitada, pois, desde o princípio, o jornalista se apresenta como um profissional das antigas. Machado, que também viveu o personagem nos palcos, entrega uma atuação visceral, um tour de force repleto de verdade como mostra sua aparência desleixada. A barba por fazer, o cabelo desgrenhado e os olhos pesados por causa de noites mal (ou não) dormidas denotam o seu real estado de espírito: o de um homem em frangalhos. 

Dostoiévski, de quem é tradutor, talvez seja a maior referência de Nikitin, porém, o texto do filme em questão parece saído da antologia de contos “Noite na Taverna”, de Álvares de Azevedo, expoente da segunda geração romântica, cujo membros ficaram conhecidos como ultra românticos ou byronistas. É visível, claro, excetuando a atualização temporal, já que Paulo é um personagem contemporâneo,  a simetria de elementos existente entre as duas obras: o sofrimento pelo fim de um amor um dia idealizado, a vocação para o trágico e os porres consoladores que, na realidade, não consolam nada – aqui, à base de doses parcimoniosas, mas ininterruptas, do popular conhaque Domecq. 

Um acréscimo bem-vindo ao filme foi a figura de Marina, a personagem feminina sobre quem Paulo discorre o tempo todo. Na peça, por se tratar de um monólogo, ela não é vista, apenas citada. Machado e Ribas, de forma acertada, entenderam que a visualização dela por parte do público acrescentaria mais uma camada ao drama vivido pelo protagonista. E, assim mesmo, este acréscimo ocorre de maneira pontual, nas lembranças mais quentes, digamos, e sem nunca mostrar o corpo por inteiro. O que nos é dado a ver são vislumbres, quase silhuetas, na penumbra. 

Agora, a verdadeira sacada criativa de A Voz que Resta está na fotografia de João Victor Oliveira que utiliza três cores: o preto, o vermelho e o azul. Não é um filme colorido do jeito tradicional, mas também não é uma obra preta e branca, ainda que se assemelhe a essa com a inserção do vermelho e do azul onde seria o branco. Inicialmente, a opção por este estilo fotográfico parece mera bossa inventiva com o intuito de chamar atenção. Todavia, não é. A cor vermelha, predominante na maior parte da história, está ligada aos momentos coléricos e febris de Paulo. Já a azul se conecta aos instantes mais calmos, quando, de alguma maneira, ele parece aquietar o coração. Por sinal, um destes instantes é a cena final que termina com um corte de deixar o público em suspensão. 

Logo de cara, visualizamos livros jogados pela chão, sendo duas biografias, uma sobre Chalaça, outra sobre Nina Simone; em um canto qualquer enxergamos também um  romance escrito por Jorge Mautner, já em outro, um DVD de “Asas do Desejo”, de Wim Wenders. São tantas coisas que, olhando rapidamente, não é possível identificar tudo, mas só o que vemos, em um excelente trabalho de direção de arte, é suficiente para entender o caos em que se encontra a cabeça do protagonista. E esse caos toma conta de todo o longa-metragem. E aí, quando eu escrevi anteriormente sobre os desafios de uma transposição dos palcos para a telona, o maior deles em A Voz que Resta, certamente, foi o fato de se tratar de um monólogo e da decisão de não mudar o formato para o cinema. Com quase 90 minutos de duração, um filme com todo este caos, mais o formato em si, infelizmente, talvez soe cansativo para uma grande parte do público.

Desliguem os celulares e boa diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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