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O Brutalista: Brady Corbet faz obra genial e desconcertante

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Eu não sei quantos de vocês já pararam para pensar nisso, mas Hollywood e a indústria do cinema, de uma maneira geral, adoram um épico sobre a saga de homens poderosos. Os exemplos são abundantes: “Cidadão Kane”, 1941, “O Leopardo”, 1963, “Ludwig”, 1973, “O Poderoso Chefão”, 1972, 1974 e 1990; “Era Uma Vez na América”, 1984, “Sangue Negro”, 2007, e, mais recentemente, o grande vencedor do último Oscar, “Oppenheimer”, 2023. Se não na época de seus respectivos lançamentos, todos os filmes aqui citados, com o passar do tempo, ganharam o status de obras imprescindíveis para qualquer um que se julgue minimamente um verdadeiro cinéfilo. E, na esteira de todos estes icônicos longa-metragens, a atual temporada de prêmios nos apresentou O Brutalista, uma produção anglo-húngara-americana dirigida e roteirizada por Brady Corbet, que tem todos os predicados para adquirir este mesmíssimo status. 

O Brutalista

O homem poderoso do filme de Corbet muito bem poderia ser o industrial Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), um “self-made man” que fez fortuna com peças de ferrovia, ou ainda o advogado judeu da Família Van Buren, Michael Hoffman (Peter Polycarpou), que também presta serviços para o vice-presidente dos Estados Unidos, mas, não, o escolhido para protagonizar esta saga foi o arquiteto judeu-húngaro László Tóth (Adrien Brody), um sobrevivente do campo de concentração de Buchenwald. E, para justificar a condição de saga, o recorte temporal da produção vai do longíquo e distante ano de 1947 a 1980, ou seja, 33 anos na vida de um homem e de sua família, a esposa Erzsébet (Felicity Jones) e a sobrinha Zsófia (Raffey Cassidy), em uma América que se apresenta com o belo epíteto de “Terra das Oportunidades”, mas que com todos os seus preconceitos não é um paraíso para os refugiados da guerra.  

O que faz de László Tóth ou de qualquer um dos homens poderosos que protagonizam as obras supracitadas um personagem de fato  interessante para que acompanhemos sua saga por mais de três horas? A contradição, condição esta, em maior ou menor grau, inerente à personalidade de todos os seres humanos. Em O Brutalista, Adrien Brody não dá vida a um herói. Este título, certamente, seria forte demais e sem justificativa. Massacrado pelos horrores da guerra, Tóth oscila entre a resignação e a resiliência, conforme os humores das cenas e os dissabores das situações. Ele também não é naturalmente bom ou mau, justo ou injusto. Na realidade, ele é capaz de ser tudo isso como mostra uma cena logo no início, quando ainda não ascendeu profissionalmente nos Estados Unidos, e um arroubo de raiva mais para perto do desfecho da obra. Aliás, o que temos, então, é um protagonista complexo que, dado o grau de dificuldade, justifica todos os prêmios vencidos até aqui por seu interprete. 

Além disso, este mesmíssimo grau de dificuldade e de complexidade também pode ser visto nos papéis de Guy Pearce e de Felicity Jones. Ela, indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante, vive aquele que é, possivelmente, o melhor papel da sua carreira. Jones só entra em cena quase na metade de O Brutalista porque a sua personagem não estava no mesmo campo de concentração de László. Quando finalmente se reencontram, o protagonista se surpreende com algo que não sabia. E isso, apesar de todo o amor existente entre eles, inicialmente, gera um certo desequilíbrio na relação deles. Há duas cenas que demonstram o quão boa é esta atuação da atriz. Uma em que Jones não precisa fazer muita coisa, apenas provocar Brody para que o personagem dele abandone um daqueles momentos de resignação; e outra em que ela surge como uma defensora implacável do marido, exigindo, assim, uma entrega cênica e física bem maior. 

Igualmente indicado ao Oscar, no caso, na categoria de Ator Coadjuvante, Guy Pearce e o seu personagem remetem àquele que talvez seja o real tema do longa-metragem. Em vez de ficar em Nova Iorque, considerada a porta de entrada da “Terra das Oportunidades”, László se desloca até a Filadélfia onde um primo o aguarda com a esposa. E assim, meio que do nada, em dois momentos distintos, assistimos à uma espécie de comercial institucional do estado da Pensilvânia, onde fica a cidade que lhe servirá de moradia. E o problema está no fato de que estes comerciais vendem a ideia de que em todo os Estados Unidos não há lugar melhor para se viver do que aquela região. O lema americano não chega a ser uma mentira, já que o país foi formado por imigrantes e sempre abriu suas portas para esses. A mentira está nas facilidades vendidas e na hipocrisia dos que dizem acolher, mas nutrem um grande preconceito. Harrison é um desses hipócritas e retratar este tema justo quando o presidente Donald Trump ameaça endurecer as leis de imigração, torna tudo bastante atual. 

O termo “brutalista”, que batiza o filme, é uma referência tanto ao protagonista, um arquiteto, quanto à escola arquitetônica ao qual ele é afiliado. O brutalismo viveu seu auge entre os anos 50 e 70, nos países da Europa Oriental, se destacando por ser um estilo cru, honesto e que faz uso de muito concreto aparente e de formas geométricas simples como os blocos retangulares. Tal estilo sempre foi considerado polarizador, algo que dificilmente ocorrerá com o filme de Corbet em relação à sua estética. O terceiro longa-metragem do diretor tem algumas das imagens mais bonitas e impactantes da temporada, fruto da parceria com o fotógrafo Lol Crawley, que alterna com sabedoria planos abertos, planos fechados e alguns closes desnudantes. As sequências na estrada, que faz uso da câmera subjetiva para que o público veja com os olhos do motorista, funciona como um convite para que não desgrudemos os nossos olhos da tela ao longo de 3h36 minutos de projeção. Esta duração, por sua vez, apesar de contar com algumas tomadas contemplativas, não chega a ser um problema graças à edição fluida e precisa do montador Dávid Jancsó. 

Grandiloquente em suas pretensões e em sua realização, O Brutalista passa a impressão de ter sido um filme bastante caro, como quase todos os épicos, e isso é um ledo engano. Entre os dez indicados à principal categoria do Oscar, o seu orçamento de 9,6 milhões de dólares é o terceiro menor de todos, a frente apenas de Anora e de Ainda Estou Aqui. Uma bagatela que só enaltece o trabalho da equipe técnica e que impulsionou um filme sem nenhuma preocupação com um final feliz a um total de dez indicações. Essa falta de preocupação, certamente, tem a ver com a temática que tem os dois pés fincados em uma realidade crua e que, por essa razão, não tem porque não ser honesta com o público. Em um momento chave de O Brutalista, László dança ao som de “You Are My Destiny” de Paul Anka. Naquele instante, sem ele saber, a última virada da trama está se desenhando e o seu destino já está traçado, como escrevi, sem qualquer compromisso com a felicidade. 

Desliguem os celulares e excepcional diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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