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Tempo de Guerra: Alex Garland adquire ares claustrofóbicos em novo longa

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Saindo da cabine de imprensa do Tempo de Guerra, nova produção do cineasta Alex Garland, o xodó dos hipsters e dos cinéfilos descolados, escuto um rapaz, que também estava na sessão, dizer: “Ele tenta fazer um filme anti-guerra, mas não consegue”. Era óbvio que ele se referia a Garland e ao longa que acabáramos de assistir. A indagação do colega, instantaneamente, me fez refletir sobre a real necessidade de um filme adotar este ou aquele posicionamento político. Para ficar no caso em questão, produções bélicas precisam ser contra ou à favor do evento retratado? Eu penso que não, nem uma coisa, nem outra. Ainda que a arte seja política na medida que é impregnada pela visão de mundo do seu autor, é político também, muitas vezes, não tomar partido e se acomodar em uma posição de neutralidade. Dito isto, Garland não é o único autor aqui e nem é a sua visão que, no final das contas, permeia os frames de uma obra singularmente tensa. 

Com o endosso da A24, com quem trabalhou em filmaços como Ex-Machina e Guerra Civil, respectivamente, de 2014 e 2024, Alex Garland, desta vez, assina o roteiro e a direção em conjunto com Ray Mendonza, um fuzileiro naval reformado. Na história, ocorrida durante a Guerra do Iraque, um destacamento de soldados norte-americanos é encarregado de ocupar uma casa e transformá-la em um posto avançado de observação. Só que a residência escolhida estava habitada e isso gera um grande problema. Paralelamente, a ação, que era para ser discreta, tendo sido realizada, inclusive, na calada da madrugada, chama a atenção dos inimigos. A partir deste instante, o confronto bélico se torna iminente e dotado de todos os elementos necessários para um eventual banho de sangue. E, claro, são de Mendonza todas estas lembranças que servem de matéria para um texto primoroso e rico sobre os destinos de tal operação. 

Como um teatro filmado, o longa-metragem Tempo de Guerra transcorre quase todo em um único cenário. A casa ocupada. Há uma cena somente, no prólogo da ação, passada na base. Nela, um alegre grupo de homens assiste, na tela de um computador, um vídeo em que mulheres vestidas com roupas de ginástica se exercitam e dançam. Mal sabiam eles que aquele momento de paz e calmaria antecederia uma descida ao inferno. Qual foi a intenção dos diretores ao introduzirem esta tomada solitária antes de toda a adrenalina que estava por vir? Talvez preparar o espírito dos espectadores e não simplesmente iniciar o filme em meio ao frenesi da ação, já que, depois, não haveria um respiro sequer ao longo dos próximos 95 minutos. Ou, então, mostrar que a vida pode mudar de uma hora para a outra. Mendonza é a prova disto. De fuzileiro naval a diretor cinematográfico, não passou tanto tempo assim se olharmos pelo prisma histórico. De qualquer forma, fosse qual fosse a intenção, esta cena inicial serve para criarmos algum tipo de vínculo com os personagens desta epopeia. 

Uma vez dentro da casa, o longa-metragem adquire ares claustrofóbicos. A residência rústica, isso para não usar adjetivos menos elogiosos, padece, devido a sua arquitetura, de claridade. O sol quase não bate lá dentro. Esta atmosfera meio de penumbra, que paira de forma pesada mesmo ao amanhecer, corrobora para a criação de um clima cada vez mais pesado. A tensão extrema é latente. Inicialmente, os soldados estão tranquilos e entediados com a rotina de um observar e esperar sem fim. A guinada que dispara a latência acontece quando eles descobrem que foram pegos no flagra, descobertos, e que estão prestes a serem atacados. Os minutos parecem se transformar em horas e isso é bastante interessante porque, com a exceção daquela cena inicial, todo o restante do filme transcorre em tempo real. A construção e a organização do mise-en-scène por parte da dupla de cineastas é perfeita. 

Um pouco mais para cima, eu citei a criação de algum tipo de vínculo com os personagens de Tempo de Guerra e, reparem, até agora não nomeei nenhum ator do filme, certo? A explicação para isso também é bastante interessante: apesar do elenco ter gente conhecida como, por exemplo, Will Poulter, Cosmo Jarvis ou Joseph Quinn, a força das interpretações está no conjunto. Não há um momento de brilho solo de um ou de outro. Todos brilham juntos e o vínculo é com o destacamento de soldados. Nunca servi, mas quem já o fez e participou de  uma ação, principalmente no exterior, diz que, após episódios como o retratado nesta obra, unidades militares tendem a se transformar em verdadeiras irmandades. E, assistindo ao longa, é esse o sentimento que emana da tela. Não existe a preocupação em externar um posicionamento político claro, contra ou à favor da guerra. Não é disso que se trata a história da dupla Garland-Mendonza e por melhor diretor que o primeiro seja, vide sua curta e ótima cinematografia, uma coisa tão intensa assim, como o sentimento que brota daqueles homens, só poderia vir de alguém que, de fato, foi ao inferno e voltou são.

Desliguem os celulares e ótima diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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