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CORAÇÃO DE LUTADOR conta a história do lutador de MMA, Mark Kerr

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Certa vez, ao deixar a sessão do filme Foxcatcher, do diretor Bennett Miller, ouvi uma garota comentar com o namorado: “Não sei se gostei do que acabei de assistir”. A frase, dita com certa dose de pesar e reflexão, foi seguida de um questionamento imediato por parte do rapaz. Ele queria entender a razão da dúvida dela (eu também) e, confesso, a resposta me pegou um pouco de surpresa: “Porque não despertou em mim o interesse por saber mais sobre luta livre”. Se vocês nunca assistiram ao longa de Miller, saibam que os protagonistas, dois irmãos vividos por Channing Tatum e Mark Ruffalo, foram lutadores, mas o foco da obra, um drama com ares de tragédia, passa longe dos resultados esportivos da dupla. Lembrei-me dessa história porque assisti a Coração de Lutador, dirigido por Benny Safdie, e acredito que há um risco bastante grande de essa cena se repetir com outras pessoas.

Coração de Lutador retrata quatro anos da vida de Mark Kerr (Dwayne Johnson), desde sua estreia em competições de vale-tudo, na cidade de São Paulo, em 1997, até uma de suas derrotas mais emblemáticas, em Tóquio, no ano 2000. Nesse ínterim, acompanhamos sua rotina diária, composta de instantes prosaicos, em casa, ao lado da noiva Dawn Staples (Emily Blunt), e de treinos e mais treinos, junto com seus treinadores, Mark Coleman (Ryan Bader) e Bas Rutten (vivido pelo próprio). Aliás, as cenas de luta, os torneios oficiais, são poucas ao longo dos 123 minutos de projeção. Desta forma, esta não é uma obra só sobre socos e chutes, é um filme que entra na gente como um soco no estômago, mas devagar, quase sem aviso. O retrato do protagonista, através das câmeras de Safdie, não é o de um astro das chamadas “artes marciais mistas”, mas do homem, em carne, osso e sangue, atrás dos títulos e cinturões.

A maneira como tudo foi filmado é um dos grandes acertos de Coração de Lutador, mas a escolha de Dwayne Johnson e Emily Blunt para os papéis principais não pode, de forma alguma, ser desconsiderada na hora de analisarmos o sucesso da proposta levada a cabo por Safdie, enquanto diretor e roteirista. The Rock, como Johnson sempre foi conhecido, trocou os ringues da WWE pelos sets de filmagem com a pecha de ator talhado para filmes de ação. Esse, certamente, era o único papel que cabia ao “fortão sem talento”, dizia parte da crítica especializada. E a verdade é que muitos de nós só conhecíamos mesmo o fortão, ignorando qualquer outra faceta que, porventura, ele pudesse ter. Porém, aqui, Johnson interpreta um grandão por fora e frágil por dentro, como uma parede de rocha que treme ao ser atingida por uma daquelas bolas de demolição. Se muitos de nós nunca o consideramos para prêmios, talvez seja hora de reconsiderarmos.

E Blunt? Ao lado do parceiro, ela imprime muitas camadas à noiva que vive na sombra. Ao mesmo tempo que deseja estar por perto, viajando para assisti-lo lutar, vibrando nas vitórias e (tentando) confortá-lo nas derrotas, Dawn é, repetidas vezes, enxotada sob o estigma de que sua presença atrapalha a concentração do fortão. O relacionamento deles é daqueles que parte do público assistirá pensando consigo mesmo: “Por que ela simplesmente não vai embora?” E aí uma resposta que talvez faça sentido, pelo menos para uma parcela desse público, é que o amor, assim como as lutas, nem sempre obedece à lógica. Nem sempre o mais forte ou o melhor vence, nem sempre seguimos a lógica do bom senso e da racionalidade.

Em Coração de Lutador, a fotografia de Maceo Bishop é quase um personagem. Com seu clima intimista, paleta de cores que vai do cinza e do preto dos ginásios aos tons de marrom, bege e creme da residência dos protagonistas, ela reforça que este não é mais um filme sobre lutas. Ninguém precisa sair do cinema querendo saber mais sobre vale-tudo, pois esse não é o foco da obra de Safdie.

E o que dizer da trilha sonora orquestrada por Nala Sinephro? Dos acordes de um Jazz solitário ao piano que parece perguntar aos personagens se está tudo bem, tudo soa de forma harmônica, acalentando o coração dos espectadores. Todavia, o ponto alto desse combo está em uma tomada ao som de “”My Way, provavelmente na voz de Elvis Presley (não tenho certeza), onde, em uma corrida até o topo de uma escadaria pública, o Mark Kerr de Dwayne Johnson emula e homenageia o Rocky Balboa de Sylvester Stallone, outro clássico exemplo de campeão fragilizado.

O final de Coração de Lutador é simples e genial. Nada de montagem épica, nada de slow motion. Quando vemos Mark Kerr pela última vez, Johnson já saiu de cena. Na nossa frente, o que se descortina diante dos olhos do público é o personagem real, em carne, osso e não mais sangue. Filmado em um supermercado, cumprimentando uma caixa, ele se mostra pouco à vontade para as câmeras. Sorri, claro, mas com um sorriso tímido, algo que não passa despercebido quando comparado à sua ferocidade nos ringues. E assim ele caminha até o carro, sorri mais uma vez, entra no veículo e acena antes de ir embora. Pronto. Desaparece, como se o filme dissesse calmamente: “Viu? A glória some. As capas de revistas vão parar no lixo. Contudo, a vida segue o ritmo normal, sem música ou aplausos.”

Desliguem os celulares e excepcional diversão.

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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