- Publicidade -

Ruídos: Terror sul-coreano se constrói pelo silencio

Publicado em:

O filme sul-coreano Ruídos, da estreante em longas-metragens Kim Soo-jin, é dirigido com aquela precisão cirúrgica típica das obras do cinema asiático: pega uma premissa quase banal — vizinhos barulhentos — e a transforma em um labirinto sensorial de terror, onde silêncio e som viram armas para prender a atenção do público. Em um país em que as autoridades disponibilizam uma linha telefônica só para esse tipo de reclamação, a protagonista, Joo-young (Lee Sun-bin), surda e dependente de um aparelho auditivo, torna-se nossa bússola nesse mundo opressivo de concreto cinzento. Cada passo ecoa, cada porta que se fecha soa como um tiro e ela, ironicamente, é quem capta o que ninguém mais ouve: os sussurros além do muro. O contraste é bastante cruel: ela ouve demais os mortos, enquanto os vivos só sabem reclamar dos vivos.

Ruídos começa com o drama de Joo-hee (Han Su-ah), irmã da protagonista. Sozinha em um apartamento pequeno, acompanhamos, por um punhado de longos e angustiantes minutos, o seu incômodo com os barulhos que acredita vir da vizinhança. Diferentemente de Joo-young, ela escuta tudo perfeitamente bem. Não precisa de um aparelho auditivo. A angústia só cessa quando, como por um passe de mágica, a moça desaparece. Se não está mais lá, não há o que ouvir. E assim a personagem principal entra na história: primeiro, recebendo uma ligação no trabalho — já faz quatro dias que ninguém tem notícias de Joo-hee. Depois, preocupada, Joo-young não só decide procurar pela irmã na casa desta, como acaba se mudando para lá; e é lá que terá a chance de compreender um pouco do que a outra estava passando antes de sumir.

Um dos trunfos habituais do cinema feito na Ásia, a fotografia não poderia deixar de ser relevante em Ruídos. Com a assinatura de Jun Hong-kyu, ela não é apenas escura, dark, é sufocante, como se os próprios frames estivessem com medo. Câmera quieta, luz fria, quase azulada, que faz o condomínio parecer uma tumba vertical. Até as poucas crianças ali dentro — elas surgem devagar, aqui e acolá — se assemelham a fantasmas menores. Esse é o caso, por exemplo, da filha de uma vizinha, por sinal a única moradora daquele imenso túmulo de gente viva que parece se importar com o drama e a angústia da protagonista.

Já o roteiro, escrito a quatro mãos por Lee Je-hui e Kim Yong-hwan, não corre: rasteja. Cada vizinho é um ponto de tensão, mas nenhum deles parece humano — inclusive a moça da filha pequena com ares fantasmagóricos. Ela, em muitas cenas, não fala… ou fala baixo demais, quase um sussurro, como se todo o prédio conspirasse. No intercurso do texto de Ruídos, que propositalmente nos confunde, Ki-hoon (Kim Min-seok), o namorado da irmã, chega como alívio, mas logo vira parte do problema. Ele também começa a ouvir coisas que não deviam existir. O som é feito para quem enxerga — rangidos, goteiras, passos que param quando você olha. E é aí que dá medo de verdade — e dá gosto ver como é bom o desenho de som, a cargo de Kang Dae-hyun, tratado como um personagem.

Sem querer estragar o prazer de vocês, caros leitores, a revelação final deixa uma dúvida elegante no ar: qual é a origem real do horror que presenciamos ao longo dos 93 minutos de projeção? Há assombrações de fato ou tudo é fruto de uma imaginação fértil? O aparelho auditivo que Joo-young usa — um presente de Joo-hee — é um dispositivo moderno que grava os sons em um celular conectado por Bluetooth. O seu acréscimo à trama foi uma sacada em um filme em que o som é um elemento tão importante. Ele ajuda a criar uma sensação de confusão no próprio público, valorizando assim cada escolha da cineasta estreante e acrescentando uma camada a mais à atuação da atriz principal, que fez um tratamento específico para viver esse papel.

Se vocês odeiam barulho, precisam ver este filme; se amam silêncio, corram. Ruídos não é só terror, é uma acusação urbana: a gente constrói paredes grossas e, ainda assim, se escuta demais. E, no fundo, talvez a surda seja a única que realmente ouve.

Desliguem os celulares e ótima diversão.

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
4.310 Seguidores
Seguir
- Publicidade -