- Publicidade -

Pequenas Criaturas: Anne Pinheiro Guimarães dirige filme inspirado em fatos de sua vida

Publicado em:

O filme Pequenas Criaturas, segundo longa-metragem da cineasta brasileira Anne Pinheiro Guimarães, conquista o público logo na primeira imagem: uma mãe recém-chegada a Brasília, marido sumido em um avião, dois filhos perdidos entre o concreto e o vento. A câmera gruda no rosto daquela mulher por um tempo que parece não passar. Sentada dentro de um carro, ela acende um cigarro. Os olhos são de quem acabou de chorar. Na janela, um homem — o esposo — se despede e parte. A cena é de cortar o coração. Dá angústia, mas não é nada perto do que virá a seguir.

O ano é 1986. O Brasil de Pequenas Criaturas é um país em mudança. Sai a ditadura, volta a democracia. Helena (Carolina Dieckmann) também está de mudança. Ela é a mulher do carro, do marido que parte e some em um avião; a mãe dos dois filhos, o adolescente André (Théo Medon) e o menino Dudu (Lorenzo Mello). Sozinhos, eles precisam se acostumar à aspereza da Capital Federal, onde estão há apenas nove dias. A cidade feita de quadras e blocos não é acolhedora. Ali, juntos, terão de descobrir novos significados para a palavra “família” e, quem sabe, erigir novos laços afetivos.

Ex-assistente de direção de gente do naipe de Cacá Diegues, Karim Aïnouz e Bruno Barreto, a diretora não filma Brasília como cartão-postal, filma como prisão aberta, céu tão alto que parece lhe engolir. Aliás, filma e roteiriza. E é nessa imensidão que engole, sufoca e arrasta para dentro que a família de Helena encontra amparo em estranhos: a vizinha desquitada e alegre (Letícia Sabatella), o homem cordial (Caco Ciocler) que ajuda a consertar o carro de Helena e outros adolescentes que irão, aos poucos, criar laços com André e Dudu. A direção é firme, o roteiro envolve; aos poucos, também, a angústia dá lugar ao acalanto.

Um dos pontos altos de Pequenas Criaturas é o elenco, com atuações harmônicas e uma coesão de heterogeneidades que se completam, tal qual uma família que se forma por amor e não por laços de sangue. Ainda assim, é difícil não destacar a atuação de Dieckmann em seu melhor momento desde O Silêncio do Céu (2016). Seu flerte com o personagem de Ciocler — uma paquera calcada em olhares que não saem dos olhos, em bocas que não se beijam, assombrada pela presença etérea de um marido que se foi, mas não sumiu por completo — é um dos agentes catalisadores da transformação da angústia em acalanto. Todavia, existe outro “personagem” que merece destaque.

A fotografia, a cargo do diretor Pablo Baião, cumpre um papel essencial em termos narrativos. Sua presença é tão marcante que diálogos desprovidos de vocábulos podem ser “escutados” em cada ângulo das quadras de Brasília. Muito do que Helena, André e Dudu sentem é oriundo de ter que viver naquele lugar estranho e, inicialmente, assustador. Dessa forma, o modo como Baião captura a cidade — alternando planos amplos com enquadramentos parecidos com o da primeira imagem — ressalta a miudeza humana frente à grandeza do mundo à sua volta. Assim, o título Pequenas Criaturas acaba sendo uma referência tanto a um cão que, lá pelas tantas, Helena resgata, quanto àquele grupo heterogêneo de pessoas que encontra abrigo uns nos outros.

Inspirado em vivências da própria Anne Pinheiro Guimarães — filha de diplomata que mudou de lar mais de uma vez durante a infância e a juventude —, Pequenas Criaturas não termina com alguém voltando. Termina com uma celebração em um cinema drive-in, vento soprando e ninguém reclamando. A cidade continua grande, mas agora eles sabem que não precisam preenchê-la — só ocupar um pedacinho, juntos, pois é o que sobra quando tudo vai embora.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

*Filme visto durante o Festival do Rio 2025

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
4.310 Seguidores
Seguir
- Publicidade -