- Publicidade -

O Sobrevivente faz crítica afiada embrulhada em uma aventura frenética

Publicado em:

O filme O Sobrevivente, dirigido e roteirizado por Edgar Wright, adaptação de um livro de Stephen King, mergulha em um futuro distópico no qual a desigualdade social divide os Estados Unidos em dois mundos — os ricos em cidades muradas e os pobres em periferias degradadas — dominados por uma corporação chamada “Rede”, cujo símbolo, um “N” vermelho, curiosamente remete à logomarca de um certo serviço de streaming. A trama acompanha Ben Richards (Glenn Powell), um pai desesperado que, sem dinheiro para os remédios da filha doente, aceita participar de um reality show no qual será caçado por um grupo de mercenários. Se sobreviver — algo que jamais ninguém conseguiu — ele leva para casa um bilhão de Novos Dólares.

O Sobrevivente acerta em cheio ao evocar clássicos que vão de RoboCop (1987), com referências visuais claras à Detroit futurista e à corporação controladora imaginada por Paul Verhoeven, a obras como O Demolidor (1993), do cineasta Marco Brambilla, com notas da nova moeda americana estampando o rosto de Arnold Schwarzenegger como um ex-presidente. Essas homenagens constroem um tom nostálgico, porém atual, ao censurar a ganância corporativa e o poder midiático. Desde seus primeiros trabalhos, Edgar Wright demonstra a habilidade de equilibrar ação, crítica social e referências cinematográficas com precisão quase cartográfica. Ao retratar o futuro não como um sonho, mas como um pesadelo corporativo, ele confere densidade à narrativa e conecta seu novo filme à tradição das sátiras futuristas.

O elenco de O Sobrevivente é um destaque à parte. Glenn Powell carrega o peso emocional da história com naturalidade, entregando uma atuação que equilibra fragilidade e força — um pai vulnerável, mas determinado a salvar a filha a qualquer custo. Josh Brolin, como Dan Killian, o cínico CEO do canal de televisão da “Rede”, incorpora uma frieza calculada; enquanto Colman Domingo, no papel de Bobby T, o apresentador falsamente empático do reality show, adiciona ainda mais camadas ao cinismo da elite. A fotografia — assinada por Chung Chung-hoon — aposta em cenas escuras e noturnas que reforçam o clima opressivo de um futuro que paira como um fardo sobre os personagens. A iluminação constrói um mundo sufocante, onde o brilho artificial serve apenas para destacar o abismo social.

A cenografia de O Sobrevivente, com neons opulentos contrastando com áreas pobres, é igualmente poderosa, capturando a dualidade de uma sociedade fraturada. Wright e o diretor de arte Marcus Rowland utilizam esses elementos para sustentar a crítica à exploração dos vulneráveis. Ainda assim, o filme tropeça no final: suas duas horas e treze minutos são intensas, mas o desfecho — com resoluções rápidas — parece atabalhoado. Talvez faltassem quinze minutos para que as cenas finais respirassem, evitando um ritmo acelerado que dilui o impacto. Mesmo assim, a narrativa mantém força, sustentada pelo encaixe preciso entre os elementos citados. O Sobrevivente não reinventa o gênero distópico, mas oferece uma história envolvente, provocadora e com comentários sociais certeiros.

As falhas no final não ofuscam o brilho do conjunto do longa. Vale assistir, especialmente para quem gosta de distopias com cérebro e coração. O filme tem fôlego, embora peça um pouco de paciência no desfecho para atingir todo o potencial. No fim, é uma crítica afiada embrulhada em uma aventura frenética. Recomendo para quem aprecia histórias que misturam entretenimento com reflexão. E, saibam: aquele bebê doente no colo de Glenn Powell, logo nas primeiras cenas, me quebrou.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
4.310 Seguidores
Seguir
- Publicidade -