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 Livros Restantes reflete sobre a vida da mulher após os 50 anos

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Dirigido e roteirizado por Márcia Paraíso, o longa-metragem Livros Restantes é uma joia sensível que mergulha nas camadas da memória com a delicadeza de quem folheia um álbum antigo. Ana Catarina, interpretada pela monumental Denise Fraga, arranca um pedaço de nós logo nos primeiros minutos, quando — em plena mudança de Florianópolis para Aveiro, Portugal — decide devolver cinco livros carregados de dedicatórias às pessoas que um dia escreveram aquelas palavras. Ela não pode levar tudo; precisa se desfazer de sua biblioteca pessoal. E, assim, cada devolução se torna um espelho: revela o que ficou, o que doeu e o que ainda mantém o coração aquecido.

O percurso é surpreendente. Nada acontece exatamente como a protagonista esperava ou imaginava. O reencontro com Katia (Andrea Buzato) tem cheiro de abraço de mãe; já o quase-encontro com Juliana — uma ligação entrecortada, dentro de um carro, com a chuva martelando lá fora e arrepiando a espinha — parece daqueles momentos que sussurram: “as pessoas mudam mesmo, não é?”. E, já que o tema é mudança, surgem Tarik (Paulo Vasilescu), o ex-namorado preso ao passado; Jailton (Marcinho Gonzaga), o pescador que ri do próprio atraso; e Carlos (Augusto Madeira), o ex-marido que só entende tarde demais o sentido do gesto de Ana. Florianópolis, por sua vez, vira personagem viva: o sol ilumina, mas chove quando a alma pesa.

A recorrência dos dias nublados e chuvosos não funciona como mero clichê visual. Em Livros Restantes, esses climas servem de lembrete do que escondemos quando fazemos escolhas equivocadas — vergonha, arrependimento, medo. É possível sentir o cheiro da maresia misturado ao tédio provinciano quando Serginho (Renato Tunes), irmão de Ana, expulsa sua verdade engasgada por puro pavor da reação da mãe. É tudo tão humano que dá vontade de gritar para ele: “por que você não contou antes, cara?”. A trilha sonora, marcada por poucas músicas, é preenchida por um silêncio quase ensurdecedor — daquele tipo que faz o coração bater alto demais.

Nos interstícios dessa jornada, a câmera passeia como turista que já conhece cada esquina, mas ainda se encanta. Márcia Paraíso contou, em entrevistas, que Livros Restantes é uma homenagem à ilha que a acolheu — e isso se vê na ternura com que filma cada detalhe. A mesma ternura aparece na carta que Ana, no início do filme, já instalada em Aveiro e antes de conhecermos sua vida pregressa, escreve para a mãe. Ali tem início uma viagem fílmica na qual embarcamos sem pensar; e, quando desembarcamos — de volta a Aveiro —, Ana está comprando seu novo primeiro livro. Nós viramos essa página ao lado dela. A dedicatória que escreve para si mesma é perfeita: ninguém melhor do que nós para lembrar aquilo que deixamos para trás em cada novo recomeço.

Livros Restantes não ensina lição de casa; apenas cutuca. Pergunta: você já devolveu o que te prendeu? Saímos da sessão pensando se o que deixamos para trás foi escolha ou fuga. É uma daquelas obras que não precisam gritar para serem grandes: filme pequeno na tela, gigante no peito. Abraça, empurra adiante e ainda pergunta, baixinho, “e agora?” — enquanto o gosto de sal ainda insiste na boca.

Desliguem os celulares e excepcional diversão.

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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