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Vizinhos Bárbaros esconde uma das críticas mais afiadas do ano ao preconceito europeu contra refugiados

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Vizinhos Bárbaros, novo filme escrito, dirigido e protagonizado por Julie Delpy, é uma comédia aparentemente leve, mas que esconde uma das críticas mais afiadas do ano ao preconceito europeu contra refugiados oriundos de regiões da África e do Oriente Médio. Delpy, que aprendeu com mestres como Krzysztof Kieslowski e Richard Linklater, demonstra maturidade ao colocar a câmera a serviço da história, sem exibicionismos. O resultado é uma obra delicada, solar e, ao mesmo tempo, implacável com o racismo cotidiano que ainda grassa pelo interior da França e da Europa em geral.

A trama de Vizinhos Bárbaros começa com uma ironia deliciosa: uma pequena cidade francesa se mobiliza para receber refugiados ucranianos em plena invasão russa, mas, por questões burocráticas, acaba acolhendo uma família síria. O que era para ser um gesto de solidariedade europeia vira um teste de fogo quando os “bárbaros” chegam de pele morena, falando árabe e carregando o estigma que a Europa historicamente reserva ao Oriente Médio. Delpy não perde tempo e logo expõe o racismo velado por trás das boas maneiras: sorrisos que congelam corações, sussurros nas padarias e nas ruas, além de sabotagens “acidentais”.

No centro do conflito de Vizinhos Bárbaros estão a professora progressista Joelle (a própria Delpy, excelente) e o encanador Hervé (Laurent Lafitte, perfeito no papel do francês médio assustado com o diferente). Enquanto Joelle tenta integrar a família síria — um arquiteto, uma médica, um patriarca digno —, Hervé representa a resistência mesquinha da maioria silenciosa. A tensão cresce com sabotagens na casa cedida pela prefeitura e olhares tortos no mercado, até explodir em uma sequência que mistura humor físico com um soco no estômago.

A grande virtude do filme é nunca cair no didatismo fácil. Delpy opta pelo caminho da comédia de costumes, com diálogos afiados e situações absurdas que lembram os melhores momentos de Étienne Chatiliez ou do próprio cinema britânico de costumes. A direção é discreta, quase invisível — exatamente como deve ser quando o tema é tão espinhoso. A fotografia solar do interior francês, cheia de luz natural e campos dourados, contrasta de forma cruel com a escuridão moral de parte dos personagens de Vizinhos Bárbaros.

No fim, Vizinhos Bárbaros cumpre a promessa do gênero: entrega o final reconfortante que o público de comédia espera, mas não sem antes nos fazer engolir o remédio amargo. É um filme para ver em família no Natal, rir das situações, emocionar-se com as pequenas vitórias humanas e, principalmente, sair do cinema pensando no quanto ainda chamamos de bárbaro tudo aquilo que simplesmente não entendemos. Recomendo fortemente — e guardem o nome de Fares Helou, o patriarca sírio: ele rouba todas as cenas em que aparece.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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