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Rafael Souza-Ribeiro, autor do texto “Gisberta”, fala sobre o espetáculo

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Idealizada por Luis Lobianco, com direção de produção de Claudia Marques, texto de Rafael Souza-Ribeiro e direção de Renato Carrera, a obra mistura política, história, música, teatro, poesia e ficção para falar de Gisberta, brasileira vítima da transfobia que teve morte trágica em 2006 no Porto, em Portugal, após ser torturada por um grupo de 14 menores de idade.

Rafael Souza-Ribeiro, autor do texto do espetáculo, conversou conta sobre o processo de montagem e sua importância.

Qual a importância de Gisberta na luta contra a homofobia e transfobia? Como foi o seu contato qual a história de vida dela? Teve dificuldades no processo da montagem da peça?

Rafael Souza-Ribeiro – Gisberta até hoje é lembrada e evocada como símbolo maior de uma história que não se pode repetir, tampouco esquecer. Ela se tornou um ícone na luta pelos direitos da população LGBTIQ em Portugal, porém no Brasil, onde ela nasceu e viveu até os 18 anos, sua história ainda é pouco conhecida. Trazê-la à luz através dessa peça é uma forma de reverenciá-la, fazer justiça e engrossar o coro contra a transfobia e todo tipo de preconceito. Soube de Gisberta há alguns anos atrás, através de amigos que moram em Portugal e por conta da música Balada de Gisberta, que Maria Bethânia regravou em 2010.

Mas tudo que eu sabia era muito pouco. Foi a partir do convite de Luis Lobianco pra escrever a peça que pude saber mais sobre ela. Juntos, Lobianco, Renato Carrera, o diretor, e eu entramos em contato sobretudo com familiares e pessoas que conviveram com ela em diferentes fases, desde a infância. Há períodos mais documentados, outros menos, então nos deparamos com algumas lacunas. Ou informações desencontradas. Depois passamos a pensar em como levar essa pesquisa documental para a dramaturgia, afinal estávamos fazendo teatro, e esse se tornou o foco de nosso trabalho.

 A transexualidade é encarada pela sociedade ainda com muita dificuldade, o movimento LGBT cada vez mais é um símbolo contra a opressão e a catequização. Até quando precisaremos lutar para impor algo que é tão natural?

Rafael Souza-Ribeiro – Precisaremos lutar até que as mortes em decorrência de transfobia cessem. Até o dia que a violência acabe. Precisaremos lutar bastante, creio eu. O Brasil é hoje o país que mais mata transexuais e transgêneros no mundo. Nesse ano de 2017, os números de pessoas que foram mortas por serem LGBTIQ já são maiores que em relação ao ano passado. A luta deve ser por justiça, por respeito, por direitos e por inclusão. Precisaremos lutar até que tenhamos um estado laico e democrático por excelência que contemple a todos os setores historicamente marginalizados e desprivilegiados nesse país: as mulheres, os pobres, negros, indígenas, LGBTIQ’s, entre outros.

Você acredita que a religião, seja ela qual for, atrapalhe nessa jornada?

Rafael Souza-Ribeiro – A religião não, mas alguns religiosos sim. As religiões pregam sobretudo o amor, a aceitação e a evolução, cada qual à sua maneira, com dogmas e credos específicos. Mas não está na base de nenhuma delas o ódio. Então é lamentável (e sobretudo perigoso) que haja líderes religiosos propagando discursos de intolerância, discursos esses que muitas vezes servem como pretexto para radicalismos e violências. E é preciso estarmos muito atentos para o uso oportunista das religiões, por exemplo em relação a projetos de poder que se utilizam da fé com o único objetivo de legislar em defesa dos próprios interesses e contra causas que contemplem a diversidade.

O trabalho da mídia ainda pode ser visto como tendencioso?

Rafael Souza-Ribeiro – Acredito que estamos em transformação. É um processo lento, há meios de comunicação menos sensíveis que se recusam, por exemplo, a escrever “a travesti”, insistindo em se referir a elas no gênero masculino. Há uma transfobia institucionalizada dentro de grandes corporações, incluindo aí a mídia. Mas há comunicadores e veículos de mídia que se esforçam pra acompanhar as transformações do mundo e dar espaço às narrativas de diversidade que vêm surgindo. E o advento da internet abriu novos canais de comunicação, trazendo mais espaços de informação e debate.

A forma como os personagens são retratados em novelas e filmes ainda é muito estereotipado?

Rafael Souza-Ribeiro – Bem menos que há 20 anos atrás. Mas já foram abertas novas possibilidades, tanto no cinema quanto na televisão. Personagens gays, por exemplo, durante muito tempo, ou eram apenas ridicularizados em determinadas obras, ou eram criaturas superficiais e sem função dramática nas histórias. Hoje já há novas abordagens dramáticas, personagens de diferentes matizes e tons vêm aparecendo aqui e ali, dando novos contornos às narrativas do universo gay. E parte do público também acompanha essa nova perspectiva, reconhece como crível. Há 20 anos atrás, foi preciso “matar” as personagens lésbicas em Torre de Babel porque o público em geral não aceitava que duas mulheres bem-sucedidas e maduras pudessem se amar em horário nobre. Hoje seria diferente.

Você teve dificuldades para construir a montagem? E o processo de construção da personagem?

Rafael Souza-Ribeiro – A dificuldade residiu no que comentei anteriormente: como conciliar toda a pesquisa documental com a dramaturgia, pois o teatro é uma forma de expressão com códigos próprios e um relação direta com o público através de tempo e espaço, som e imagem, palavra e corpo.

Quanto à construção das personagens, o Luis Lobianco poderia falar melhor. Até porque são algumas personagens. Gisberta propriamente não está em cena: optamos por não falar por ela, não representá-la. Soubemos dela por um leque de vozes e personas, isso guiou nossa construção e está presente em cena.

Qual a importância do trabalho de Gloria Perez e da atriz Carol Duarte têm feito na novela “A Força do Querer”?

Rafael Souza-Ribeiro – No nosso país, tudo que aparece numa novela repercute imediatamente. E a novela alcança um sem-número de pessoas. Pessoas de diferentes idades, formações, classes sociais, regiões etc. Gloria Perez é uma das escritoras mais sérias e sensíveis desse país, porque ao mesmo tempo em que é sabedora do alcance de seu ofício, ela também está sempre atenta ao novo. Sempre abre espaço em suas histórias para temas e assuntos ainda pouco debatidos ou até mesmo pouco conhecidos pela população. Ao abordar a transexualidade, Gloria contribui imensamente para o debate, para trazer luz e espaço. E Carol Duarte é de um talento arrebatador. A qualidade de seu trabalho amplia ainda mais o trabalho da autora. Que atriz!

Serviço: https://rotacult.com.br/2017/10/drama-musical-gisberta-com-luis-lobianco-estreia-no-teatro-da-uff/

Alê Shcolnik
Alê Shcolnikhttps://www.rotacult.com.br
Editora de conteúdo e fundadora do site, jornalista, publicitária, fotografa e crítica de cinema (membro da ACCRJ - Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro). Amante das Artes, aprendiz na arte de expor a vida como ela é. Cultura e tattoos nunca são demais!

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