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Entre rajadas verborrágicas e de silêncios, “Impenetrável” é um jogo bem executado, e estimulante

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O espetáculo “Impenetrável”, com texto e direção de Adilson Dias, oferece, de forma sensível e envolvente, o contato com uma lógica dialética entre um homem e uma mulher. Um relacionamento que apresenta seus entraves, seus pontos nevrálgicos, seus limites.

As personagens vividas por Luanna Rocha e Tiago Marques (com substituição eventual do ator Felipe Porto) se engalfinham em uma exposição intensa e entrecortada de seus sentimentos. Poder-se-ia enxergar um casal comum ali no palco, mas o caráter do debate que travam nos leva a reflexões e a detonações internas mais profundas, quase existenciais. Sem clichês, o mecanismo da troca entre duas pessoas que se gostam é desvendado. Com luzes próprias e microscópio, o espectador pode testemunhar um embate entre as carências, os medos, as pretensões de dois seres, de dois universos diferentes, que por alguma razão também precisam um do outro para continuar sendo.

A questão da incomunicabilidade é uma tônica. Fica claro o quanto, hoje em especial, estamos afastados um do outro e como torna-se difícil fazer o outro enxergar nossos dilemas, e, mais do que isso, envolver-se com os dilemas do outro. Estamos impermeáveis. Muito preocupados com nossas aspirações pessoais talvez, sem dar importância às aspirações do casal, do grupo. Contudo, a peça deixa clara a noção de equilíbrio: deve-se balancear o quanto de mim é importante, o quanto do outro é importante, e o que queremos juntos. Aliás, o que ganhamos afinal estando juntos? Por que as pessoas se juntam?  Sabemos que não conseguimos viver sozinhos, mas viver junto é sim, apesar do prazer que possa gerar, um desafio.

O processo de amadurecimento e de evanescência da relação acontece ali aos olhos do público. A amizade, o desejo, o encanto e o desencanto, está tudo ali. Parece nítida a necessidade, com o tempo e com a contribuição do outro, de transformar-se, de evoluir. As nossas formas de olhar o outro e olhar a si próprio mudam. Ao mesmo tempo, subentende-se que as relações não comportam uma carga superlativa de emoções e de verdades, ou do que julgamos serem verdades, jogadas e empurradas contra a subjetividade do outro. Não se pode falar tudo, de tudo, o tempo todo.

A grande contribuição do espetáculo é o pensar sobre a qualidade de nossas relações afetivas. Como estamos conduzindo nosso ímpeto de cuidar, de ser cuidado, de fazer companhia, de gozar junto, de construir um entendimento do que seja a vida afinado com as experiências de alguém mais. Ainda, poderíamos nos indagar se o mundo externo nos distraí em relação à atenção que damos aos nossos relacionamentos. Será que nos dispersamos com frivolidades e mesquinharias, a ponto de não conseguirmos fazer durar nossas partilhas. Somos muito egoístas?

Angústias, memórias, vivências de prazer que não se consegue mais repetir, esse também é o terreno da dramaturgia que se apresenta. Quanto à encenação, uma proposta muito simples coloca dois intérpretes frente à frente, com uma iluminação lúbrica, privilegiando a alternância de rajadas verborrágicas e de silêncios, pausas sentidas. É um jogo bem executado, e estimulante. Vale a pena conferir.

foto: Leandro Andrade

Felipe Mury
Felipe Mury
Felipe Mury é ator formado pela Casa de Artes de Laranjeiras e bacharel em Direito pela UFRJ. Amante das Artes Cênicas, especializou seu olhar em relação ao Teatro, sendo uma ficcionado por Shakespeare e Brecht.

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