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“Tamagotchi Balé” no Centro Hélio Oiticica

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Já imaginou viver num mundo onde as relações devem ser abolidas e o amor extinto? Foi a partir de um sonho inquietante que nasceu “Tamagotchi Balé”, novo trabalho de Anna Costa e Silva, que entra em cartaz dia 06 de maio, no Centro Cultural Hélio Oiticica.

Reunindo diversas manifestações artísticas _ vídeos, performances, esculturas e instalações,  a exposição tem curadoria de Gabriela Davies e aborda as relações contemporâneas, as distopias digitais e o fim do erotismo, através de um ambiente imersivo e onírico de projeções.

Como nos sonhos, sensações e imagens se entrelaçam, criando diferentes narrativas que, em comum, apresentam um dos maiores sintomas atuais da humanidade: a virtualização dos afetos. “Essa exposição começa com um sonho que mexeu muito comigo. Era um momento político extremamente sensível, de levante de ideias fascistas e via o papel das redes sociais nesse processo. Observava como todos os nossos afetos e relações passavam agora por big-techs, na mesma medida que nos tornávamos uma mistura de avatares de nós mesmos e de marcas pessoais. As relações afetivas se aproximam cada vez mais de relações de consumo”, relembra Anna.

O ano era 2018. Anna sonhou que estava fazendo um Curso de Futuro para aprender a viver num mundo onde as relações seriam abolidas. Era uma nova realidade, neoliberal ao extremo, na qual cada pessoa teria um “propósito de ação” e o amor era extinto, pois era considerado violento demais e gerava desvios neste propósito de ação-produção. “O curso do sonho era feito de forma remota, numa tela, o que é bastante assustador se formos considerar a pandemia e a hiper digitalização do mundo, que aconteceu pouco tempo depois”, reflete.

Impactada e simultaneamente curiosa para saber se narrativas parecidas estavam emergindo no inconsciente coletivo, a artista criou uma chamada aberta para escuta de sonhos. “Costumo trabalhar com chamadas abertas e processos de escuta desde 2012. Gosto dessa ideia, de que as pessoas chegam até os trabalhos, são acasos orquestrados. Essa chamada foi respondida quase que exclusivamente por mulheres ou pessoas não binárias, e percebi que muitas pessoas estavam se deparando com questões de cunho coletivo em seus sonhos”.

O processo de escuta de sonhos se estendeu até 2022, sempre em encontros presenciais. Entre essas narrativas, estavam sentimentos sendo programados, terapeutas sendo trocados por inteligências artificiais, uma pessoa que parava de ter corpo e passava a existir apenas em telas, raízes crescendo nas superfícies como se não houvesse mais chão; cidades destruídas e pessoas viciadas em experiências que aconteciam dentro de óculos de VR.

A partir daí, Anna deu início a uma vasta pesquisa sobre subjetividade neoliberal e a virtualização dos afetos, passando por uma série de novos dispositivos de companhia virtual – um holograma desenhado para ser a esposa perfeita; uma boneca sexual programada para expressar emoções e satisfazer seu dono; a inteligência artificial Lamda, que pode estar se tornando senciente, até chegar ao Ministério da Solidão, criado em 2018 na Inglaterra, a partir da percepção de que a solidão é um problema de estado. “Gratificação instantânea, narcisismo, branding pessoal e o fim da experiência erótica foram alguns dos meus caminhos de pesquisa. “O tamagotchi, nesse contexto, aparece como a primeira experiência de relação afetiva e de cuidado com uma máquina que a minha geração experimentou, uma projeção, quase assustadora e deslocada do seu tempo, os anos 1990”, explica.

Nesse processo de pesquisa, Anna descobriu também Atafona, uma cidade no litoral norte do Rio, que está sendo engolida pelo mar e que materializa, como cenário, os universos distópicos descritos nos sonhos. Uma praia em ruínas, pedaços de construções na areia – e as raízes aparecendo pela superfície, rumo a lugar nenhum, como num dos sonhos.

Inquieta com suas descobertas, Anna convidou um grupo de performers mulheres para explorar essas narrativas e trazê-las para o corpo, de forma que essas histórias escapulissem de um lugar racional e se tornassem gestos, movimentos, imagens. Junto com Maria Clara Contrucci e Manuela Libman, personagens e coautoras dos textos, criou o vídeo central que dá nome à exposição. Em 28m, a obra mostra duas mulheres tentando estabelecer uma relação virtual, entremeadas por imagens publicitárias de arquivo desde os anos 1950, com criações inéditas em 3D, coreografias gravadas no zoom, imagens de Atafona e videogames, numa colagem narrativa-afetiva que começa em Tamagotchis até chegar no chatbot Lamda.

Mais três vídeos completam a experiência imersiva. Um traz Dora Selva, grávida, realizando uma dança pélvica entre as ruínas de Atafona; outro, apresenta Dani Camara, um ser avatar que anuncia o apocalipse relacional, transformando palavras de Byung Chul-Han, Jonathan Crary, Liv Stromquist, entre outros, num videoclipe pop-eletrônico; e, por fim, um com Carolina Luísa, também em Atafona, lendo um poema de sua autoria, “Amar é um ato político”.

Anna convidou também Darks Miranda – que aparece como “feat” da exposição, apresentando uma série de esculturas, que criam uma experiência de entrada nesse mundo onírico-distópico-digital. “O trabalho da Darks tem muita relação com todo o universo que venho criando, por isso, a convidei para criar esse espaço comigo. A impressão é de que as esculturas saltaram de dentro dos vídeos e não há hierarquias entre a narrativa material e a digital.”

Parte desse trabalho foi realizado em residência artística nos estúdios da Ubisoft, uma das maiores empresas de videogames do mundo, na sede de Winnipeg, no Canadá. “Ganhei um prêmio da instituição de arte contemporânea mexicana Terremoto para passar 3 meses trabalhando em meu projeto, com um time de designers que colaborou na programação desses seres humanos produtivos-não-relacionais. Criamos juntos uma série de cenários 3D a partir dos sonhos e trabalhamos também com imagens geradas por inteligência artificial. Foi uma experiência bastante curiosa, ser uma artista dentro de um estúdio de videogames”, explica Anna.

A exposição conta também com uma instalação composta por uma cama, onde o visitante pode deitar e escutar os sonhos narrados a partir da chamada pública, além de um ritual-performance, ao vivo, conduzido pela artista Dual. “Pretendo, aqui, que os espectadores possam de fato adentrar um outro espaço-tempo e relacionar-se com essas histórias com todo o corpo. É um trabalho que lida com um cenário distópico, com certeza, mas que também há nele algo que escapa, que está vivo. E acho bonito que um projeto que começa com a previsão do fim das relações se dá, justamente de forma tão relacional, a partir desses encontros super íntimos, para escutar sonhos, e, num segundo momento, de criações coletivas”, conta.

SOBRE A ARTISTA – Anna Costa e Silva (1988, Rio de Janeiro) trabalha a partir de situações construídas entre pessoas, que propõem reformulações dos tecidos sociais e afetivos a partir de processos de escuta. Desde 2012, pesquisa o estado de encontro como força motriz para a criação de seus trabalhos, vivendo num constante dispositivo de artevida. Dorme na casa de pessoas desconhecidas para conversar antes de dormir, oferece companhia, realiza experiências de encontro em locais de consumo, como shoppings e aeroportos, escuta sonhos e os recria em 3D, etc. Seus projetos acontecem nas interseções entre artes visuais, cinema, performance e práticas relacionais e se materializam, ou não, em instalações, filmes, sons ou situações efêmeras.

Graduada em Cinema e mestra em Artes Visuais pela School of Visual Arts, NY, recebeu prêmios importantes, como FOCO Bradesco ArtRio, Bolsa Funarte de Produção Artística, American Austrian Foundation Prize for Fine Arts, foi duas vezes indicada ao Prêmio PIPA e finalista do Marcantonio Vilaça. Entre suas exposições individuais destacam-se “Assíntotas” na Caixa Cultural, “Éter” no Centro Cultural São Paulo e “Ofereço companhia” na Galeria Superfície. Em 2022, participou da 13ª Bienal do Mercosul, foi premiada com a residência Terremoto Ubisoft e ganhou a prestigiosa bolsa Franklin Furnace, para realizar um trabalho inédito em Nova York 2023. Atualmente, é artista residente na Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro, pelo projeto Residência Artística Setor Público, realizado pela produtora Automática.

Participou de exposições coletivas em instituições e galerias como Casa França Brasil, A Gentil Carioca, Oi Futuro, Casa Triângulo, BienalSur, Buenos Aires, Art In Odd Places, NY, Contemporary Art Center, Lituânia, entre outras. É professora do Parque Lage e dirigiu a série “Olhar” sobre arte contemporânea para o Canal Arte1. Tem trabalhos em coleções públicas e privadas, entre elas o MAR – Museu de Arte do Rio e o Instituto Moreira Salles.

SERVIÇO
Data: de 06 de maio a 03 de junho 2023
Local: Centro Cultural Hélio Oiticica (Rua Luis de Camões, 68. Centro, Rio de Janeiro).
Horario: Segunda a Sábado, das 10h às 18h.
Informações: 21 2242-1012
Entrada franca

Rota Cult
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Redação do site E-mail: contato@rotacult.com.br

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