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La Parle e a remontagem contínua das palavras

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La Parle é o nome dado a uma onda que bate em uma costa francesa basca que é lendária; atribui-se a sua chegada que coisas venham à tona, revelações e sentimentos. La Parle nasceu de uma residência promovida pelo cineasta Claude Lelouch e que reuniu a brasileira Gabriela Boeri e os franceses Fanny Boldini, Kevin Vanstaen e Simon Boulier à frente e atrás das câmeras. Durante um ano, a produção foi gestada e o filme preparado, e a estreia agora é o fim dessa jornada, que têm muitas caras a serem reveladas ao longo de sua breve duração.

La Parle Estamos diante de um filme-processo, onde muito mais que os personagens, a narrativa, a textura da direção ou do roteiro, o que importa é a busca pelo jogo. Gabriela, Fanny, Kevin e Simon estão nesse cenário, que é paradisíaco para onde se olha, mas isso também não importa. Cada um dos elementos apresentados na imagem, desde o visual geográfico até a estampa dos atores, passando pela fotografia em preto e branco, não importam. O que está no centro da discussão é a forma como tais elementos são embaralhados para que se descubram novas camadas de percepção.

Isso passa pela estrutura do roteiro, que é constantemente autorreferenciado. O quarteto em cena apresenta histórias que batem com sua realidade, mas são filtradas pela câmera – ou seja, já não é mais o real, e dentro dessa lógica, pode ser retrabalhada e reinterpretada a cada nova menção. O que é o real, dentro de uma metaficção? Particularmente, não acredito na verdade estrita mesmo dentro do trabalho assumidamente documental, o que não é o caso de La Parle. Aqui está em cena a recriação dos códigos de análise do outro, através da remontagem contínua de suas palavras.

Ao mesmo tempo, o apetrecho ‘perfumaria’ não cabe aqui. Temos muitos códigos de distração da imagem, como já foi citado, mas a eles cabe o propósito de demarcar esses territórios de estereótipos.  A juventude, a localização, a beleza – quantas vezes isso foi utilizado com o intuito do entretenimento rasteiro? Em La Parle, esses segmentos são parte de um todo que inclui também a ilusão a respeito da importância desses mesmos elementos. Eles criam uma cortina de fumaça em relação ao que se deve enxergar em uma obra, e desconstroem isso passando ao largo do material a real importância, que é essa reestruturação narrativa contínua de uma obra.

O que vemos aqui não tem a ver com férias ensolaradas curtidas por um grupo de amigos jovens, ricos e entediados, mas a reafirmação do texto como mote provedor de uma obra. Nesse sentido, La Parle é um filme que nega os valores vulgares, onde o diretor seria o autor principal de uma obra. O que está no fim do arco-íris, aqui, é a capacidade de transmutação de um texto, cena por cena, interpretação por interpretação, de acordo com a visão do espectador e do contexto adequado. É, certamente, uma mudança de percepção provisória para o que o cinema está interessado hoje, a imagem ou a narrativa, e essa intersecção causa um estranhamento inicial.

Em última análise, La Parle também tem a ver com a atmosfera dos sonhos, os sonhados ao dormir e aqueles oriundos dos desejos propriamente ditos. Estão em diálogo as duas vertentes, que podem ou não se conectar, mas definitivamente não só vivem em harmonia, mas sim, devem. O quarteto em cena está dizendo isso em exato, o cinema convive há mais de 100 anos com inúmeras vocações e sub interpretações; o jogo não será virado agora para nenhum novo lado, mas talvez a aposta seja no hibridismo, onde muitas formas cabem ao mesmo tempo. Será o futuro?

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