- Publicidade -

Capitu e o Capítulo: Julio Bressane leva obra de Machado de Assis as telonas

Publicado em:

Imagem e palavra, esse foi o título que o último longa de Jean-Luc Godard recebeu no Brasil, uma tradução bem livre do original, O livro das imagens. Ambas caberiam como batismo de grande parte da filmografia de um contemporâneo à Godard tão nosso, Julio Bressane. Aos 77 anos de idade, o diretor de clássicos como Matou a Família e Foi ao Cinema e Memórias de um Estrangulador de Loiras acaba de entregar seu mais novo filme ao circuito de festivais, o mastodôntico A Longa Viagem do Ônibus Amarelo, com mais de 7 horas de duração, mas antes, lança Capitu e o Capítulo, finalmente no circuito. Para quem o ama, está aqui uma nova chance de deleite com um homem que respeita e respira as duas coisas, imagem e palavra.

Capitu e o CapítuloPara a base da ‘palavra’, ele convoca alguém com quem já tinha travado contato antes em A Erva do Rato, um dos nossos imortais, Machado de Assis. Se isso o leitor já identificou no título, o que Capitu e o Capítulo faz com o original Dom Casmurro é respeitar sua essência, mas introduzindo a ela as desconstruções tão caras à Bressane, e que acabam sim codificando os significados de uma obra já lacunar. E é nessa costura entre dois autores que se encontraram em suas singularidades que entra a base da ‘imagem’, algo no qual o diretor é, clichê dos clichês, mestre. Como não é todo dia que encontramos um ou outro, juntos ou separados no audiovisual, acho que correr aos cinema é opção única.

Estão em cena Capitu e Bentinho e o jogo entre eles, que inclui a paixão avassaladora e o ciúme, mas Bressane têm outros planos para a realização do material, no que é incluída a dissolução do protagonista em dois – Bentinho e Casmurro, como seres tão complementares quanto distantes. Entre esses dois personagens (que, na verdade, são três) nasce a narrativa clássica proveniente no livro, mas que é constantemente reformulada pelo diretor, que cadencia sua apresentação até o limite da artificialidade, tirando o manto clássico para vestir de maneira exuberante algo que é, certamente, considerado intocável.

Bressane não apenas toca em uma das nossas maiores “vacas sagradas”, como a restitui de humanidade ao fazê-la tão demarcadamente posada e fantasmagórica. Adentram a imagem seus protagonistas e seus coadjuvantes, além de uma espécie de coro grego que sublinha as ações. Isso seria suficiente para teatralizar seu texto, mas o que acaba tendo mais vitalidade é justamente na proposição do artifício que é tão próprio ao diretor, do qual a obra não fica atrás. Aliás, desse encontro não salta a esperada auto importância que se imaginaria a algo capaz de unir esses dois universos; como no encontro anterior com Machado, o diretor afasta essa aura superior ao tratar o material como algo sensorial e agudo.

No centro dos eventos, Vladimir Brichta, Mariana Ximenes e Enrique Diaz se afastam por completo das características que a televisão e o cinema mais clássico narrativo pede a eles, para se mostrar mais frágeis em seus lugares. São três atores em comunhão com o que pede algo tão avesso ao naturalismo,  agregando para essa desconstrução uma dose de humanidade não esperada. Compreendemos, através do olhar desses atores e da maneira como Bressane os vê, uma forma de acessar esse material, que nada tem de assustador como alguns podem acessar. Faz bem a eles encenar um Machado, faz bem ao diretor dilacerar rostos globais, e faz bem à obra que tamanha comunhão seja alcançada em coletivo.

Com um potencial de hermetismo que vai sendo decepado a cada nova cena, Capitu e o Capítulo também não é a sessão mais tradicional que o circuito trará. Mas vale a ideia de adentrar desarmado em sua estrutura, porque nada em cena pretende desencorajar o espectador. É apenas uma obra que se atém a uma qualidade de texto do qual não estamos acostumados.

Poderíamos dizer que estamos então diante de uma experiência cinematográfica que contempla a totalidade de campos que poderiam estar à disposição de um autor de cinema? Creio que sim, ao mesmo tempo em que lega ao espectador igual capacidade de fabular junto consigo, sem firulas, apenas aceitando que o Cinema também oferece mais do que o tradicional.

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
3.870 Seguidores
Seguir
- Publicidade -