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Machismo de Tolstói é tema de peça exuberante contra a misoginia

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Tratado sem o valor merecido em sua passagem por festivais de cinema, “Strovengah: Amor Torto” (2011) esfregou na cara do nosso audiovisual o quanto somos desatentos com usinas de boa atuação como Rose Abdallah. Na primeira metade da década da passada, o desempenho dela, num thriller sobre abismos sentimentais, produziu sequências mesmerizantes no jogo entre seu ferramental gestual no trabalho de corpo e sua máscara trágica elástica. Esses dois itens costumam acompanhar a atriz em suas incursões em outras mídias, como o teatro.

Só vendo como dói ser mulher do TolstóiAtualmente, é um deleite ver a aeróbica dela como a perseverante Sofia, no palco na peça “Só Vendo Como Dói Ser Mulher Do Tolstói”. Aliás, só a brincadeira sonora do título já valeria um prêmio pela boa sacada com as palavras. Mas quando vemos os lugares que ela tangencia, ao encarnar a companheira do autor de “Guerra e Paz” (1867), nota-se a grandeza do processo criativo de Rose e o quanto esse engenho vai além de “sacações”.

Helen Mirren viveu esse mesmo papel no filme A Última Estação, dirigido por Michael Hoffman, em 2009. Concorreu ao Oscar por sua precisão. Só que se tratava de uma narrativa encharcada em saliva, palavrosa, sem respiro. Aqui, o mérito mais notável da direção de Johayne Hildefonso é arrumar pausas, silêncios, hiatos, arejamentos num vomitório que o texto de Ivan Jaf adorna, sabiamente, de coloquialidades do contemporâneo. É palavrão, é gíria, é rolê do presente.

O bafo de “texto de época” não enche o palco do bodum de naftalina. Tudo é ágil, a começar pelo caratê (termo carinhoso, e Pop, para a elaboração coreográfica) feita pela atriz no ponto zero do monólogo. Um monólogo que flagra a misógina de um porta-voz da harmonia, que escondia em seu sexismo em verborragias analgésicas.

Lev Nikolaevitch Tolstoi (1828-1910) lucrou aos baldes com sua escrita até o momento em que, num surto metafísico, resolveu se entregar a um processo franciscano de pregação, trocando o romance por ensaios teológicos, criando uma seita de tolstoianos. Sofia define bem esse gado: “um bando de abilolados seguindo um abilolado”. Aliás, ouve-se a Sofia de Abdallah mas pensa-se em Rosa Luxemburgo (1871-1919), marxista teuto-polonesa que dizia: “Há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo mundo a construir. Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”. É assim que a personagem estruturada na dramaturgia de Jaf age, em cena.

Embalada numa trilha embriagadora de André Abujamra, Sofia nos conta, olho no olho, que é a copista dos originais de seu marido, corrigindo seus garranchos. Teve de reescrever as 3 mil páginas manuscritas de “Guerra e Paz” na muqueta para agradar o esposo, chegando a gerar 21 mil páginas de papel e tinta. Toda a sua devoção foi, certamente, compensada com repúdio, com o véu da invisibilidade. Sua colaboração para um patrimônio literário da Humanidade que se tornou opaco por culpa do ranço machista de um suposto pacifista.

Uma vez mais, cabe a filósofa e economista marxista polaco-alemã, Rosa Luxemburgo servir de colírio: “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres” , base para Sofia em busca de sua equidade e respeito.

Helvético em sua precisão, o desenho de luz de Evelyn Silva inunda o palco oferecendo a Rose, idealizadora do projeto, uma plenária. Seu parlatório tem o requinte ampliado pelo figurino, também pela direção de arte assinada por Giovanni Targa. O grosso capote usado por Sofia causa sinestesia no maçarico de fim de primavera no RJ.

“Só Vendo Como Dói Ser Mulher Do Tolstói” está em cartaz no Teatro Dulcina, para temporada em novembro, de 15 de novembro a 7 de dezembro, às quartas e quintas-feiras. Ingressos à venda na bilheteria do teatro e no site da Sympla.

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