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Puan: Alché e Naishtat produzem metáfora da Argentina atual

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Em Puan, Marcelo é um professor de filosofia na Universidade de Buenos Aires, que basicamente tem várias versões da mesma camisa e da mesma calça. Ou seja, quem olhar para ele um dia, verá o mesmo homem de todos os outros. Ele acaba de ficar “órfão”, perdeu seu mentor na universidade, o homem que lhe deu a inspiração necessária para se tornar quem se tornou. Com a morte dessa figura admirada por todos, Marcelo só então se percebe tendo que lidar com uma liberdade que nunca almejara, e com a necessidade de responder a tal pergunta: Afinal, quem ele se tornou?

Puan

Escrito e dirigido por Maria Alché e Benjamin Naishtat (respectivamente, os diretores de Família Submersa e Vermelho Sol), Puan conjura duas vertentes do cinema narrativo argentino contemporâneo – a comicidade sofisticada e uma reflexão política humanista. Aliás, em todos os casos, é uma característica da filmografia argentina trazer o espectador para junto da ação através do contato íntimo com o retrato que imprime. Não estamos diante apenas de um homem tímido que nunca tomou posse da própria voz, mas de um país cujo silêncio começa a incomodar, e para isso precisa externar seus desejos. Em uma das cenas, seu filho pequeno lhe pergunta sobre isso, o quanto ele teria deixado de pensar em sua própria narrativa para viver uma história que não construiu.

O professor Marcelo, como já dito, se encontra em uma encruzilhada. Esse seria o momento ideal para se reinventar, mas ele entende que manter a estabilidade e o conforto são a saída possível para alguém sem voz ativa como ele. É como se Alché e Naishtat olhassem para a própria Argentina e tirassem do país essa constatação. Puan, o apelido dado ao centro acadêmico, é uma metáfora para o país, seu desesperador momento político e econômico, e a aproximação entre seu protagonista e o destino do Estado. Além disso, Marcelo também precisa realizar que não é mais tempo de viver sob a égide de uma âncora que o puxa constantemente para o fundo.

Também olhando para o país, vemos a sociedade capitalista adentrando um universo comunista, que perde seus valores sem sequer se dar conta. Em meio a uma crise, a busca por um celular e uma mudança de apartamento que parece supérflua é, certamente, o trampolim para o futuro de uma mulher politizada do povo. São aparentes incongruências de roteiro muito bem justificadas por uma narrativa que busca encontrar em seus personagens uma forma de expiação histórica, que permite essas contradições humanas como natural do ser. Como se mostra, Puan deflagra em seu desenvolvimento questões filosóficas históricas e outras recém adquiridas, com a intenção de movimentar o estudo de personagem estabelecido e também a visão macro sobre a narrativa.

Esteticamente, tem uma busca por uma espécie de realismo que contrasta com as escolhas de encerramentos de planos, retirados da comédia dos anos 30. Isso também é uma novidade para os cineastas, que vêm da relação da fábula barroca em suas obras, e que também não costuma espelhar o trabalho da fotógrafa Helene Louvart, de A Vida Invisível. Essa mudança para tratar do hoje com a mesma força imagética que aproxima o registro documental a um telejornal é o que garante ao filme uma textura saudável, que nos permite aproximar-se de um homem em discordância com o mundo em que vive e com o que esperam dele.

A verdade é que fica escancarado muito rapidamente para o espectador quais serão os rumos que o personagem irá tomar, do início ao fim. O que acaba nos seduzindo não são os fatos concretos, mas o detalhe que corre pelas entrelinhas e contempla aqueles resultados. Ao invés de incomodar o público com algo esperado, Puan acredita na mudança que está em jogo, para seu protagonista e para a nação. Quando dois diretores tão atentos aos detalhes de cenas, aos olhares, ao capricho com que conduzem a interpretação vivaz de Marcelo Subiotto e a forma como ele se relaciona com o mundo, encontram uma motivação tão forte como a de um levante contra a política estatal e a ainda mais importante política dos desejos, temos um filme que nos faz acreditar no poder da narrativa.

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