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Saltburn: Um conto sobre desejos obscuros e sonhos imorais

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Ao assistir Saltburn, o novo filme da vencedora do Oscar Emerald Fennell, muita já terá sido falado ao seu respeito. Mesmo antes das filmagens, boatos já entregavam que a cineasta de Bela Vingança teria se inspirado na prosa de Patricia Highsmith. A escritora britânica, que já inspirou Pedro Almodóvar e René Clair, tem fãs contínuos na cinefilia, que vez ou outra recorrem ao seu olhar sobre a sociedade como isca para suas novas criações. Ainda que vá dividir o grupo que aclamou sua obra de estreia – que também já encontrou resistência, em um caso de “ame ou odeie” fervoroso – seu novo filme guarda tantos pontos de fascínio que, mesmo não sendo adepto de eternas releituras, encontro grandes qualidades no que a diretora tem a dizer.

Saltburn

Não é uma adaptação assumida, mas a voz de Oliver Quick soa como naturalmente reconhecível a quem já é íntimo da obra de Highsmith ou das versões que fizeram de suas obras conhecidas. É um campo que encontra comunicação na hipocrisia mal disfarçada nos grandes donos do capital, nas classes menos favorecidas que não tiveram escrúpulos para sonhar diferente, no encontro entre dois mundos que só pode acontecer se o destino construir meticuloso plano – ou não. Saltburn é uma provocação de Fennell, que revela uma vocação que ninguém queria atribuir ao seu esforço: como diria Cindy Lauper, as garotas só querem apenas se divertir.

Seguindo os passos de quem estreou com grande estardalhaço, alcançou metas provavelmente não imaginadas, a cineasta fez a coisa certa e não tenta reproduzir a grandiloquência de seu ato anterior. O que Saltburn revela é algo ainda mais simbólico, enfim, Fennell consegue ser leve e despretensiosa, porque a verdade é que isso já era a matéria-prima do próprio Bela Vingança. Por trás do discurso que a indústria queria capitanear para fazer digno seus esforços de consagrá-la, existe uma mulher jovem e muito vibrante que vai sim colocar os dedos na ferida da maneira mais ‘porra louca’ possível. Quem quiser encontrar a “mensagem por trás da obra”, esteja livre a procurar, sua autora sairá pela tangente da maneira mais debochada possível.

Nada disso é justificativa para o final desnecessário em seu didatismo, com um grupo de esclarecimentos dispensáveis dentro de um pacote tão sofisticado dentro da escrotidão. Esse campo já tinha sido um calcanhar de Aquiles de seu projeto anterior, mostrando que talvez sua juventude ainda a impeça de ligar o ‘dane-se’ completo para o resultado final. Quando esse momento chegar, lembraremos de Saltburn como um pontapé inicial de alguém cujas asas cumpririam seu destino selvagem. Ainda assim, esse conto sobre desejos obscuros e realização de sonhos imorais se aventura por um campo inesgotável de pecadilhos narrativos, que transformam a fotografia exuberante de Linus Sandgren (de La La Land) em porta de entrada para um bando de safados concretizar seu rol de vilezas cotidianas.

Contar com esse grupo de atores tão especial é o que carimba os esforços de Fennell rumo a um patamar superior. Do lado masculino, a fleuma de Richard E. Grant encontra o convite ao erotismo de Jacob Elordi, mas nenhum dos dois é páreo para o furacão que Barry Keoghan vem provocando por onde passa. Do lado feminino, a dupla formada por Rosamund Pike e Carey Mulligan talvez seja um dos casos mais bizarros vistos nesta temporada. Não se tratam de interpretações comuns, mas de duas metralhadoras giratórias de incorreção tratada com desdém e uma aura de irresponsabilidade emocional que não tem tradução em em texto. É, certamente, um daqueles casos onde a expressão ‘só vendo para crer’ possa fazer justiça a algo tão hipnotizante e, ao mesmo tempo, absolutamente horrendo.

A mordacidade aplicada por Fennell ao que vemos já estava presente no material que a consagrou, mas não há explicação para o tanto de humor que Saltburn arranca do espectador que se entrega ao projeto. Ao contrário do que se poderia supor a uma cineasta jovem, os códigos de diversão aqui não incluem qualquer tipo de correção política, e quanto mais adentramos no labirinto proibido, maiores são as chances de se perder em meio às suas idiossincrasias. A despeito dos defeitos de construção narrativa, esteticamente a produção ocupa o tanto que seria possível para tentar chegar onde se quer. Ao contrário de outros casos, os acertos aqui se sobrepõem aos erros, e o resultado final é uma hilariante guerra de classes, cujo destino final é ocupar e vencer, como em toda batalha.

O filme chega ao streaming da Amazon Prime Video no dia 22 de dezembro.

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