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Os Rejeitados trata as minúcias de uma existência banal, com delicadeza

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De muitas formas, o trio principal de Os Rejeitados é um grupo de pessoas que jamais estariam juntas em uma mesma roda de conversas. Apesar de habitarem o mesmo espaço físico (um internato para meninos no fim do ano de 1970), suas personalidades e atmosferas são demasiadamente antagônicas, e se cruzam por essa comodidade providencial. Contra a vontade, estarão os três unidos durante as festas de fim de ano e precisarão encontrar algum laço de semelhança que permita algum traço mínimo de respeito e harmonia. Esse é o ponto de partida do novo longa de um dos cineastas que tratam com mais delicadeza as minúcias de uma existência banal, até a página 5.

A partir da lupa que suas produções jogam sobre os tipos enquadrados, um manancial de sentimentos serão descobertos de parte a parte, entre tais personagens e também com o público. Não estamos diante de uma daquelas imensas produções que arrebatam pela quantidade de dinheiro empregado, mas em um título de onde a identificação emocional nasce do oposto da opulência. É na cadência de um cotidiano onde alguma opressão está impressa sobre eles, e que se designa a partir de seus papéis sociais mas também pela forma como eles refletem uns sobre os outros. Os Rejeitados vêm da seara da singeleza e do afeto, ainda que eles sejam materiais duros de se manusear, e precisem ser encontrados na raça.

Os Rejeitados

Estamos falando do novo longa de Alexander Payne, um dos grandes cronistas da banalidade aparente, talvez um primo distante e estadunidense de Mike Leigh, que há quase 30 anos encanta plateias em pontos de partida triviais. Para quem não ligou o nome a pessoas, estamos falando do cineasta de momentos seminais como Sideways, Eleição e Nebraska, entre outras obras que destrincham o que o cinema americano não tem muito interesse: o outro, e não si mesmo.

Ao dedicar toda uma filmografia à construção da empatia, e de olhar para seu interior em busca de respostas que estão impressas nas relações que se estabeleceram, Payne, certamente, criou uma forma de comunicação que não se baseia apenas na imagem, mas um tanto na narrativa. E isso não o impede de talvez elaborar um dos seus grandes momentos como cineasta. Não estamos falando de estado de euforia pela ambientação setentista evocada na apresentação de créditos apenas, mas de uma verve presente em capitães da Nova Hollywood, como Hal Ashby (de Ensina-me a Viver), Bob Rafelson (de Cada um Vive Como Quer) ou Robert Altman (de M.A.S.H.).

É na construção dos quadros que o filme se elabora, seja no corte da montagem evocatória de Kevin Tent, que vai retirando a imagem em ‘fade out’, enquanto o som ainda não se esvaiu (técnicas típicas do material da época). O resultado tem um rebuscamento que Payne não utiliza sempre, mas que o reabilita a condição de autor, inclusive trabalhando com um roteiro que não é dele de maneira tão própria, e que em determinado momento isso se esquece.

Existe no miolo de Os Rejeitados um ‘solavanco’ na direção de uma decisão de seu protagonista, que desengata uma saída que sabíamos que seria apresentada, mas que imaginávamos que seria menos abrupta. Nada disso, no entanto, apaga o tanto de sensibilidade conquistados por essa organização coletiva, que vai desde uma condução de atores preciosa (como sempre) até a conexão costurada entre eles, de profunda sensibilidade. No meio do caminho, o diretor elabora um quadro que em sua constância mostra-se reverente ao passado, sem atentar o que o presente tem de mais sofisticado, em matéria de desenvolvimento narrativo. Fato é, a sofisticação de compreender que podemos falar de depressão, racismo, etarismo, confronto de classes, sem precisar incorrer em panfletos, e muito menos deixar de ser incisivo por lidar com essas falas embutidas no humor.

Marca registrada de seus trabalhos, Payne não nega a comédia em Os Rejeitados, mesmo sabendo que um desequilíbrio poderia expor sua estrutura. Hábil em seu trabalho, ele conta com uma tríade em sintonia fina, a começar pelo estreante Dominic Sessa, com a fome de um veterano, que impressiona em todas as suas inflexões. Da’Vine Joy Randolph caminha a passos de vencer um Oscar, e os motivos pulam da tela, na segurança com que caminha da tragédia mais pesada até uma fina dose de sarcasmo, delineada em cada linha de seu rosto. E não há palavras que definam o novo encontro entre Payne e seu fetiche, Paul Giamatti. Tão estupendo quanto em Sideways, o ator faz parecer fácil os lugares pantanosos da psique humana elencados aqui, um tipo complexo em suas emoções, frustrações em perdas passadas, mas que vislumbra uma fagulha de redenção.

Provável indicado a algumas estatuetas, Os Rejeitados é daqueles momentos especiais do ano cinematográficos, onde muitas verdades se cruzam. Da diversão mais genuína indo até a emoção mais pungente, sem perder a afinação estética ou transformá-la em um apetrecho vazio, estamos diante de um filme que busca ir além de alguma única coisa. É um acerto sério enquanto cinema, que parece se resolver e nos desafiar com teclas simples. Não são, definitivamente.

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