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Texto de Jen Silverman faz etnografia da amizade

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Quando a crítica americana endossou a peça teatral “The Roommate”, em 2019, atribuindo-lhe uma vaga na prateleira chamada Odd Couple genre (numa referência ao fenômeno teatral de Neil Simon, de 1965), a maneira que a imprensa estadunidense buscou para diferencia-la da concorrência foi uma conexão com as narrativas serializadas. Numa montagem na Geórgia, com Terry Burrell e Megan McFarland, jornais definiram o texto de Jen Silverman de “mistura de ‘Breaking Bad’ com ‘Grace and Frankie’ num ambiente moralista”.

Perfeito! A narrativa traz a incorreção de Walter White (personagem de Bryan Cranston) com a sororidade das tramas estreladas por Lily Tomlin e Jane Fonda. Mas há também algo de mais centenário, com um quê das “Três Irmãs” de Tchekov, e algo de cinematográfico. Aí… Thelma e Louise (1992) é o farol que acende primeiro. É o farol que mais e melhor pisca na montagem brasileira do texto, com duas atrizes em estado de graça em cena.

Parece partida de pingue-pongue a dinâmica que Luisa Thiré e Carolyna Aguiar arranjam na transposição da inquietante “The Roommate” aos palcos do Rio, pelo rigor espartano de tiro daqui e bomba de lá que se passa em cena. A dramédia de Silverman aqui virou “A Inquilina” numa tradição enxutíssima de Diego Teza, que soa feliz às pampas no mastigar de um português coloquial, sem firulas, mas com expressões devidamente inspiradas e expiradas nos diálogos que a direção de Fernando Philbert põe em fricção. Depois de “Três Mulheres Altas” e “O Escândalo Philippe Dussaert”, ele pisa firma num mundo conservador onde vai colher pétalas da amizade.

Antes que se avalie o quão enxuto é o arranjo cênico de Philbert (com a direção assistente da atriz Glauce Guima), há que se ressaltar a relevância de apresentar o universo de Silverman ao público brasileiro, com destaque para seu ativismo nas pautas identitárias Queer. Espetáculos como “The Moors”, “Pirates of the Cafeteria”, (a ótima) “Wink” e “Witch” , certamente, demarcam uma pensadora da condição feminina na contemporaneidade e abrem um debate sobre orientação sexual, não binarismo e preconceito. Apontam ainda a incomunicabilidade nas parcerias do dia a dia e a condição de metástase pela qual as relações sociais passam diante do câncer da intolerância.

Num perfil da autora no site https://www.americantheatre.org/, ela conta, “Meu contato inicial com o teatro foi quase exclusivamente com escritoras. Na minha cabeça de espectadoras, havia uma mesa cheia de mulheres super ousadas, fortes e politizadas. Olhei para elas, ainda que figurativamente, e pedi licença: ‘Oh! Sim, por favor! Eu também quero falar!”. Pois o que a gente vê no palco do CCBB são duas almas pedindo para falar. Pro mundo, pra gente, uma com a outra.

Numa elegante cenografia de Beli Araújo, iluminada por Vilmar Olos, duas mulheres na faixa dos 50 anos vivem um processo de inércia e uma distância afetiva de suas crias. Sharon (vivida por uma coruscante Luisa) é uma dona de casa do interior da América, daquelas que votam em Donald Trump. Esbanja simpatia, mas pouco faz para sair de sua bolha. Para aplacar a solidão, ela aluga um quarto para Robyn, espoleta nova-iorquina cosmopolita, lésbica e vegana, à procura de sossego para recomeçar sua vida. Carolyna interpreta Robyn como uma valquíria em busca de guerra. Sua aparente calmaria esconde uma fúria e um pretérito imperfeito de erros (e trambiques).

Mas quando as duas se olham, no jardim das cerejeiras chamado recomeço, elas se espelham. Sharon admite ter beijado uma garota na faculdade e Robyn demonstra uma fome irrefreável de aconchego. O que nasce entre as duas – no embalo da trilha sonora de Rodrigo Penna – é uma análise combinatória que a matemática não explica. O fator de X é o carinho. Porém, como dizia o dramaturgo Jean Anoilh, “existe o amor, com certeza; mas existe a vida, sua inimiga”. A inimizade do mundo, em sua aspereza, vai espreitar Robyn e Sharon. Esse é o processo que esta tocante peça nos revela: como sobreviver aos riscos do viver.

Saiba mais sobre “A Inquilina”!

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