- Publicidade -

Ficção Americana, uma sátira dramática digna de OSCAR

Publicado em:

Não existe mistério a ser descoberto em Ficção Americana depois que seus códigos estão expostos ao espectador. Talvez por isso algumas pessoas desgostem tanto da produção que acaba de estrear no Prime Video e que, com mesmo cinco indicações ao Oscar (e um favoritismo), ficou de fora do circuito cinematográfico. Aliás, não estamos falando de conservadorismo narrativo aqui – até porque, isso iria contra o próprio roteiro do filme – mas, sim, de um lugar confortável de apresentação de trama, personagem, desenvolvimento e ação. Há um esquema (muito bem) urdido para que a produção funcione, e para um olhar mais experimentado, esse lugar é explícito. Ainda assim, é uma carpintaria eficaz em tudo que se propõe.

Não à toa, a categoria onde o filme tem maiores chances de sagrar-se campeão no próximo 10 de março é justamente a de roteiro adaptado. Baseado no romance “Erasure” de Percival Everett, Ficção Americana fala justamente sobre a arte de escrever, de que lugares ocupar como escritor e de como uma obra pode influenciar nosso entorno, até expandir-se para outras mídias e, quem diria, transformar-se em roteiro. Não só pela aproximação do filme com sua categoria, o roteiro do diretor Cord Jefferson explora os muitos lados de sua estrutura para dissecar um número de temas todos muito pertinentes à sociedade de hoje. Especificamente o lugar onde a voz preta hoje reverbera, e em como as máscaras podem estar escondendo lugares de fala verdadeiramente instigantes.

Thelonious ‘Monk’ Ellison é um escritor em crise emocional. Seus livros são reconhecidamente ‘grande literatura’, mas são conceituais e rebuscados demais para se alçarem a best-sellers, e por isso seu novo manuscrito não consegue ser negociado. Quando na primeira cena o personagem já discute com uma aluna branca que se sente mais ofendida com um linguajar que ela considera racista do que ele mesmo, que é negro, Monk permite que caiam fichas ao seu redor que apontam o ‘lugar de fala’, agora, como algo negociável. Ficção Americana, dessa forma, aponta para o presente e questiona quem está lucrando com isso, e onde estão os verdadeiros focos de algo que parece no momento com uma indústria.

Paralelo ao seu universo profissional, Ficção Americana mostra o interior do que Monk denuncia. Como é a realidade preta estadunidense (e mundial) que não sucumbiu ao lugar que os brancos relegou a eles, ou seja, a violência, o horror, as instituições carcerárias, a marginalidade? Uma família comum, com a velhice, a morte, as degradadas relações familiares, a ausência escolhida, a mágoa. O roteiro lacunar nos faz sombrear o tanto do que se perdeu durante os anos entre seus personagens, mas sem responder frontalmente nenhuma de suas questões. Como se fora a passagem de uma lupa pelas entrelinhas, onde lemos as principais palavras e entendemos o conceito por trás do todo, mas cujos detalhes são tão coletivos que o aprofundamento não se faz necessário. Ou seja, uma família.

Se existe uma palavra que poderia definir muito bem a festejada estreia de Cord Jefferson na direção, essa seria ‘correção’. Não no sentido burocrático do termo, que colocaria o filme num setor engessado, mas em como tudo parece ter sido alcançado pelos seus criadores, com gols sendo feitos ininterruptamente. A escolha por um esquema de esquetes sugere que a falta de aprofundamento em certos pontos, tipos ou ações estão dentro de um grande plano, feito para dissecar o quadro maior fora do título. Ficção Americana é sim um filme feito para o momento da exibição, mas muito antenado no que irá vazar de sua narrativa. Com tantas formas de contar tais disposições, incluindo quebra de quarta parede e um final que pode polemizar, o filme nunca deixa de soar como uma peça em constante evolução.

Encabeçando um belo elenco, independente do tamanho das participações, todas elas são muito cuidadosas, aliás, o elenco é enorme, e tem participações bárbaras que duram uma cena. Jeffrey Wright é um profissional a quem admiramos há mais de 20 anos, chega ao ponto mais alto de sua carreira. Não exatamente por obter aqui a atrasada primeira indicação ao Oscar, mas porque raramente seus maiores potenciais foram apresentados em um papel central, que ele já merece há tantas temporadas. É, certamente, uma interpretação irretocável de um homem que parece fazer o inverso do que faz Paul Giamatti em Os Rejeitados – afável, doce e inteligente, se deixa corromper por uma amargura que estava em seu peito desde sempre, e caminha rumo a um lugar sem volta. É graças a Wright, pelo que proporciona sua performance e seu personagem sozinhos, é que Ficção Americana descola de uma espécie de tese sociológica para ganhar a força de um drama profundo dividido entre tantas pessoas, disfarçado de comédia. Ser ou não ser, eis a questão.

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
3.870 Seguidores
Seguir
- Publicidade -