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20 Dias em Mariupol faz um retrato diário de um período hediondo e de atos criminosos

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Favorito isolado ao Oscar de melhor documentário no Oscar do próximo domingo, a carreira de 20 Dias em Mariupol é mesmo impressionante. Vencedor de prêmios em Sundance no ano passado, o filme fez uma carreira muito boa nos festivais de outono estadunidenses e ganhou um bom punhado de outorgas na crítica americana. Além de tudo, o momento é crucial: retratado do último vencedor da categoria há um ano, Alexei Navalny, opositor declarado de Vladimir Putin contra os desmandos do déspota russo, acaba de morrer atrás das grades. Este é, certamente, o momento crucial onde uma produção que mostra a Ucrânia sendo bombardeada por vinte dias pelo exército da Rússia alcança um status de importância histórica sem qualquer interrupção.

O problema da produção dirigida e estrelada por Mstyslav Chernov é a zona complexa pelo qual uma reportagem jornalística pode ser confundida com material cinematográfico, e quais as consequências estéticas de lidar com a banalização do horror. 20 Dias em Mariupol, em tese, tem a seu favor as intenções mais canônicas possíveis – mostrar o que está acontecendo nessa insanidade de guerra com a qual Putin estabeleceu contra seu país vizinho, e antigo território russo. Na teoria, o filme se estabelece como um dos registros mais impressionantes sobre um estado de sítio causado entre duas nações, e o retrato diário de um período hediondo e de atos criminosos. Na prática, porém, pouco (ou nada) do que é filmado se justifica, sob qualquer pretexto.

Chernov é um jornalista de guerra, que cobre o conflito há muitos anos, e se coloca pessoalmente como um personagem chave dos acontecimentos. Sua família não está intrinsecamente ligada à tragédia, mas ele não deixa o espectador esquecer que, apesar de vermos atrocidades contra crianças de maneira explícita, seu filho sofre tanto quanto os mutilados, mesmo estando há muitos quilômetros de distância do que acontece. Porque? Bom… porque ele cresce sem o pai, que está trabalhando para mostrar o horror. Particularmente acho no mínimo irresponsável se colocar dessa forma, mas eu poderia dizer que a postura do realizador de 20 Dias em Mariupol beira o cinismo muitas vezes, ainda que eu tenha certeza que ele entende que tudo o que está fazendo é para o bem.

Filmar de maneira jornalística a agonia (e posterior morte) de uma mulher grávida prestes a dar a luz, assassinada por ataques atrozes de um governo autoritário, é de se perguntar qual o limite da ética no cinema. Procurando de toda forma criar um instinto de vigília constante entre sua equipe e os acontecimentos abomináveis que filma como se estivéssemos de frente a um desses programas sanguinários da tarde, Chernov tem consciência da importância do que faz, e talvez isso tenha blindado seus feitos para a própria compreensão do quadro maior. 20 Dias em Mariupol deveria levantar uma séria discussão sobre ética no trabalho, e do quanto vale a pena para conseguir o que se quer, em qualquer área.

Infelizmente isso não está acontecendo, e em seu lugar, a falsa impressão de que isso é um material que precisa ser categorizado, deixa o conteúdo falar mais alto que a forma. Ao invés de abrir uma série de questões sobre o que pode ser visto como imagem cinematográfica hoje, 20 Dias em Mariupol foi comprado pela sua (auto) importância, e não pelo que tenta criar para a posteridade. Um filme sobre o absoluto hoje, ao ser colocado lado a lado com algo como As 4 Filhas de Olfa, o filme mostra o que de verdade é: um projeto de vaidade disfarçado de cuidadoso grito denunciante sobre o horror. Que no caminho, ele também absorva esse mesmo horror para benefício próprio, é a armadilha que o filme arma para si. E cai.

No meio do que tenta fazer, de maneira equivocada ou não (afinal, tanta gente gabaritada comprou esse barulho), a irresponsabilidade de 20 Dias em Mariupol não esconde o que, vez por outra, resvale do material. Existe sim um olhar piedoso sobre aquele civis bombardeados, existe um registro histórico sobre a destruição de uma cidade, existe uma real comoção sobre aqueles momentos que são verdadeiramente trágicos. Uma certa tensão também é construída com algum esmero, mas nada que não seja menor dentro do quadro de apavoramento diante da falta de limites, e em como tais imagens, acima de tudo, não tem embasamento cinematográfico no que querem mostrar. É chocante, é pesaroso, é cruel, é vil demais… se é Cinema, já são outros 500.

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