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Vermelho Monet aborda a manipulação e poder no mundo das artes

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Não é de hoje que o Nordeste do Brasil tem se notabilizado por sua prolífica produção cinematográfica. Neste ínterim, fugindo das tendências ditadas pelo Sudeste e pelo Sul, Pernambuco despontou nos últimos anos como um importante polo producional onde se destacam os nomes de Kleber Mendonça Filho, Cláudio Assis e Guel Arraes, entre outros, em plena atividade. Entretanto, não apenas de pernambucanos vive o cinema nordestino. Desde o lançamento de Cine Holliúdy, há mais de uma década, em 2013, o cineasta, roteirista e ator cearense Halder Gomes se firmou como o principal bastião de um tipo de comédia regional, peculiar, carregada de gírias locais e que, por isso mesmo, no início, demorou um pouquinho a reverberar nas demais regiões do país. Ao longo deste percurso, as exceções ficaram por conta do longa-metragem Os Parças, de 2017, passado na rua 25 de Março, em São Paulo e, agora, do novíssimo Vermelho Monet.

Em Vermelho Monet, Gomes abandona a comédia regional e viaja para longe dos seus cenários habituais. Tendo Lisboa como pano de fundo, o diretor investe em um drama extremamente sensual, em que três personagens singulares, o pintor Johannes Van Almeida (Chico Diaz), a negociante de artes Antoinette Léfèvre (Maria Fernanda Cândido) e a atriz brasileira Florence Lizz (Samantha Müller), se encontram e se envolvem eroticamente em um jogo de poder, manipulação e sedução. Inicialmente, esse encontro parece ser fruto do acaso e talvez seja, mas, à medida que a história é contada, outras camadas são acrescentadas tal qual pinceladas de tinta em um quadro febrilmente pintado por um artista que, para o bem ou para o mal, não consegue desgrudar os olhos de sua musa.

Neste contexto, Johannes, obviamente, é o artista. Pintor talentoso, ele acabou de sair da cadeia. Entre um gole de absinto e uma baforada de charuto, assombrado por fantasmas do passado, ele cuida da esposa acamada. Para piorar, sofre de uma doença degenerativa que, aos poucos, está lhe tirando a capacidade de ver as cores do mundo e lhe empurrando rumo ao preto absoluto. No entanto, o papel de artista também caberia a Antoinette. Especialista em pintores que retratam belas mulheres, a negociante está em busca de uma nova obra-prima. A sua arte é transformar qualquer quadro em… arte. Disto isto, a Florence cabe o papel de musa. De passagem por Portugal, onde gravará um filme, a atriz acaba chamando a atenção de Johannes e de Antoinette. Para o primeiro ela é a musa inspiradora que faltava; já para a segunda, a musa de uma paixão lasciva.

A doença que o aflige e os fantasmas que assombram Johannes servem de manancial para a belíssima fotografia de Carina Sanginitto. Vários são os momentos em que enxergamos através dos olhos do protagonista. Nestes momentos há uma predominância da cor preta, mas há também um insistente resistir de outras cores, especialmente o vermelho. A fascinação do pintor por Florence não é à toa. Sua imagem se confunde com a de uma musa de outrora, de sua juventude. Elas possuem o mesmo tom de vermelho fogo em seus cabelos, a cor que Johannes chama de “Vermelho Monet”, em referência ao artista francês Claude Monet e que batiza a película. O mesmo tom, por sinal, dos cabelos da esposa acamada, que o roteiro de Gomes não deixa claro ser ou não a mesma pessoa. Poderosamente presente na paleta de cores explorada por Sanginitto, este tom de vermelho aparece ainda com destaque na direção de arte de Juliana Ribeiro e em algumas peças do figurino de Mia Lourenço.

Vermelho Monet explora ao máximo as nuances do triângulo formado pelos protagonistas, todos os três, diga-se passagem, bem em cena. O Johannes de Diaz fede a decadência com o seu ar de quem está quase sempre bêbado e sorumbático. O encontro com sua nova musa, ainda que por um instante, reacende uma chama que parecia apagada de vez. Já a Antoinette de Cândido é uma predadora cínica, uma loba astuta, que enxerga na Florence de Müller a vítima ideal, a ovelha pronta para ser abatida. Como escrevi anteriormente, poder, manipulação e sedução, tudo isso está em jogo. Contudo, quem tem mais poder, quem manipula melhor ou quem é mais sedutor, são respostas que o texto de Gomes não nos oferecerá por completo antes do desfecho desta história. Que venha Azul Vermeer.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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