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Parthenope: Paolo Sorrentino pratica um cinema de contemplação

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É possível dizer que o italiano Paolo Sorrentino pratica um cinema de contemplação, que nos convida a ver aquilo que está escancarado diante dos nossos olhos cheios de melancolia, como já dizia aquela música da Toto Cutugno, “L’Italiano Vero”. Esta particularidade em sua filmografia, que soma dez produções ao longo de mais de 20 anos, pode ser vista no seu filme ganhador do Oscar, A Grande Beleza, de 2013, no irregular A Juventude,  de 2015, e no pessoal, introspectivo e belíssimo A Mão de Deus, de 2021. Ela não está em todas as suas obras, mas quando observada nestes três, agora, em conjunto com a sua nova produção, Parthenope, de 2024, estrelada por Celeste Dalla Porta, temos um panorama bem nítido dela. Todavia, se focarmos somente nos filmes de 2013 e de 2024, além da evidente característica do trabalho do cineasta, temos outra particularidade em evidência: o modo como Sorrentino retrata a vida dos italianos ricos, sejam eles romanos ou napolitanos. 

Nesta coprodução italo-francesa, com um roteiro original do diretor, acompanhamos 72 anos na vida de Parthenope, personagem interpretada pela supracitada Dalla Porta. O longa começa com o seu nascimento, em uma mansão à beira-mar, na cidade de Nápoles, em 1950, atravessa toda a segunda metade do século XX e termina no ano de 2022, em um mundo pós-pandemia onde, fugindo da previsibilidade que às vezes este tipo de enredo costuma apresentar, nos deparamos com a protagonista vivíssima. Uma vez indagado, Sorrentino definiu a história em questão como “uma aventura, uma viagem pelo tempo de vida de um indivíduo, algo, mais ou menos, como um épico, majestoso, selvagem, doloroso e maravilhoso”. Ainda vivendo a ressaca do último Oscar, é curioso pensar na semelhança com “O Brutalista”, mesmo que essa diga respeito apenas ao aspecto épico dos dois longas. 

Dentro do panorama traçado no parágrafo inicial, envolvendo duas daquelas quatro obras do cineasta, uma semelhança para qual devemos atentar e dedicar um pouco mais de linhas, é a que envolve a personagem principal de Parthenope e Jep Gambardella, interpretado por Toni Servillo, em “A Grande Beleza”. O protagonista do segundo transita pelas ruas de Roma, vai de festa em festa, com um permanente ar de enfado, contemplando a boa vida com a qual foi agraciado sem precisar ganhar o seu pão de cada dia. A protagonista do primeiro faz a mesmíssima coisa: vive flanando, como um dândi da obra de Charles Baudelaire, em uma existência de luxo, apática e sem qualquer obrigação laborial, isso, pelo menos, na hora inicial da película. A diferença é que ele já tem mais de 60 anos e uma fortuna pessoal; ela, por sua vez, está na casa dos 20 anos e sua riqueza vem de um berço esplêndido. Estabelecida as semelhanças, é preciso dizer que, a partir daí, seus caminhos se afastam, porém, sem se desassociarem jamais. 

Por ser jovem, na primeira hora do longa-metragem, a personagem de Dalla Porta tem tempo, digamos assim, de mudar. As pessoas quando tem 20 e poucos anos costumam ser curiosas, pois essa é uma fase em que ainda estamos sendo moldados. Estudante de antropologia, Parthenope encontra em um dos seus professores, o catedrático Marotta (Silvio Orlando), uma espécie de guru e exemplo para deixar definitivamente para trás aquela vida frívola. E se esse incentivo, por si só, não fosse suficiente, uma tragédia familiar acaba sendo a centelha que faltava. Acontece que Jep, provavelmente, nem sempre foi da maneira que nos é apresentado, assim, Parthenope talvez volte, um dia, a ser aquela primeira Parthenope, quando estiver, mais uma vez, enfadada, apática e até mesmo frívola. A construção da protagonista, tanto por meio do texto de Sorrentino, quanto através da crua, mas carismática atuação da deslumbrante atriz, é sólida e convincente. 

A fotografia, tradicionalmente um dos aspectos técnicos mais notáveis do cinema italiano, funciona, nas películas do diretor, como um elemento catalizador da atenção do público para que esse veja da maneira como ele pretende. Ainda que assinadas por fotógrafos diferentes, Luca Bigazzi, em “A Grande Beleza” (e em “A Juventude”), e Daria D’Antonio, em Parthenope (e em “A Mão de Deus”), em cada um dos filmes a fotografia foi concebida seguindo as mesmas intenções. Seja em Parthenope, ou nas outras três obras de um modo geral, ela capta tudo como paisagens em constante movimento. As tomadas noturnas são repletas de muito brilho, transmitindo a sensação de que a vida é uma eterna e inacabável festa. Já as diurnas passam aquela sensação de contemplação, o ato de ver sem saber bem o que se está vendo, com a pitada de uma atmosfera lânguida própria da beleza secular de Roma ou dos dias ensolarados da costa de Nápoles. Nossos olhos apenas seguem a câmera. 

No contexto da história de Parthenope e do cinema praticado por Paolo Sorrentino, é curioso que a personagem principal seja uma estudante da antropologia e o desfecho do seu mais aguardado diálogo com o professor Marotta dos mais reveladores em relação a psique dos protagonistas do cineasta. A aluna pergunta para o mestre, umas duas ou três vezes: “O que é a Antropologia?” Ele a enrola e responde só bem perto do fim, não sem um complemento desconcertante: “É ver, é a última coisa que se aprende quando todo o resto – o amor, a juventude, o desejo, o prazer e a remota possibilidade de se voltar a rir – começa a faltar”. A aluna, então, reflete. Ver, ela vê desde o princípio, mas será que vê segundo os princípios antropológicos? As cenas finais dão uma dica de quando, mais exatamente, essa ficha cai para ela e de como isso é importante para o seu crescimento ao longo da sua longa jornada de 72 anos.

Desliguem os celulares e excelente diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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