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Sem Chão carrega conflitos abertos sobre a guerra

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A guerra e seus conflitos, sejam eles armados ou políticos, sempre foram matéria-prima inesgotável para títulos documentais, e sua presença no Oscar é cada vez mais frequente. O vencedor do ano passado, 20 Dias em Mariupol, era uma produção com muitas problemáticas no ponto de vista narrativo, das escolhas que tal condução encampou. Sem Chão encontra-se em situação avessa ao campeão anterior, que se colocava como narrador de uma situação onde ele soava apenas como explorador. Aqui também temos diretores que estão em cena como protagonistas (ao menos dois dos quatro), mas a entonação realizadora é outra, uma que verdadeiramente procura compreender o que está acontecendo no plano, e não em uma pretensa denúncia cujo foco seja seu umbigo. 

Basel Adra e Yuval Abraham (realizadores junto a Hamdan Ballal e Rachel Szor) estão na frente das câmeras, e no centro de uma narrativa que carrega conflitos abertos, de anos explícitos, e em contradições menos óbvias e intimistas. O primeiro é habitante de Masafer Yatta, na Cisjordânia, e acompanha desde a infância seus pais enfrentarem o regime israelense de expulsá-los de suas terras, com a desculpa da construção de uma base militar. O que vemos é a contínua luta de um povo para se mostrar resiliente e combativo na tentativa de provar sua existência e relevância, de sua terra e de sua voz. O segundo é um jornalista que tenta falar à sua terra Israel sobre a insanidade dos atos de seu país, judeus que massacram uma outra terra, repetindo o movimento que eles mesmos sofreram através dos tempos. 

O que nasce através desses dois personagens, e o retrato do trabalho de ambos em tentar impedir e denunciar cenas de puro horror é o que compõe Sem Chão, e o torna especial tanto no campo que se vê, quanto no extracampo. Da História que é contada e que não precisa de muito contexto além do que o filme já apresenta, até a micro história de dois homens envoltos em algo além da crença política e social, mas com os próprios sonhos que vão sendo construídos sobre escombros. É um trabalho de minúcia da imagem, que o espectador também se transforma em escavador não apenas pelo que presencia, mas principalmente pelo que é sentido. 

Obviamente, o filme é igualmente roteirizado e montado pelos 4 diretores, o que é comum no campo do documentário, com a narrativa sendo descoberta dentro do processo de edição, e vice-versa. O filme desenrola, ao mesmo tempo, um olhar para a situação histórica que acompanhamos em cena, e tentando comentar um futuro incerto de todas as formas, através de um presente melancólico. Isso porque não há pistas sobre o que podemos fazer mediante as incertezas diárias de ter ou não um lugar onde viver, e ser parte integrante do universo que prejudica (destrói, na verdade) o objeto de um afeto genuíno. Sem avançar em cima de um terreno de especulações, Sem Chão mostra que mesmo os sonhos que não ousam serem ouvidos ficam comprometidos diante do quadro apresentado. 

Não só no aspecto político, Sem Chão também se apresenta como um olhar a respeito do que seria ainda o ‘cinema verité’ nos dias de hoje, com a dramaturgia sendo construída a partir dos eventos reais e históricos que acompanhamos. De forma genuína, somos aproximados da família de um dos protagonistas, do dilema que enfrenta o outro, e das figuras que o rodeiam sempre mirando nossa conexão com o que vemos. Dessa maneira, não apenas a criação de uma linguagem muito particular é descoberta, como também adentramos como testemunhas de um recorte trágico do hoje. Filmado entre 2019 e 2023, com imagens de flashback do acervo pessoal dos personagens, o filme é uma aposta do cinema internacional em nos capturar para dentro da ação, e da emoção do que está sendo costurado. 

Com registros impressionantes, para cada decisão do filme sobre o que mostrar e o que narrar, o filme desfolha uma percepção mais sofisticada sobre o que seriam as motivações do projeto, enquanto cinema. De maneira sutil, Sem Chão prepara um terreno que nos carrega para dentro da discussão, mas igualmente dentro da ação, com câmeras instáveis mesmo nos momentos mais recônditos. Seja no horror cotidiano de um grupo de pessoas barbarizada por um Estado cruel, ou na maneira cálida com que trata as relações humanas (principalmente entre os protagonistas), acompanhamos o recorte solidário de um grupo de pessoas que, ao pensar no coletivo, tenta encontrar as respostas aos sonhos individuais que não têm direito a realizar. 

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