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Uma Família Normal reflete a contemporaneidade em suas discussões classicistas

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Publicado pela primeira vez em 2009, O Jantar’ é um livro escrito pelo alemão Herman Koch que conta uma história que parece ambientar-se em uma estrutura de suspense ligado ao melodrama, e que aos poucos compreendemos suas reais molas. Existe um conflito de classes dentro de um mesmo núcleo familiar que se desenvolve de forma lenta para provocar um gradativo estado de tensão. O livro já foi adaptado diversas vezes, em diferentes partes do mundo (inclusive uma versão brasileira está prestes a estrear, Precisamos Falar, protagonizada por Alexandre Nero e Marjorie Estiano). Uma Família Normal é a versão sul-coreana dessa mesma narrativa, que aqui ganha uma polidez que combina bastante com a desconstrução moral que vemos descortinar-se ao longo do desenvolvimento. 

Um casal de primos adolescentes se envolve em um acidente fatal, cuja participação dos mesmos foi fundamental. O filme versa sobre a relação entre seus pais, que precisam decidir em conjunto a melhor maneira de compor as próximas decisões, tendo em vista as diferenças de personalidade entre os integrantes, e os grupos sociais que também os afastam. A demarcação dessa situação de poder de uns sobre os outros aqui é a mais bem demarcada das versões, e acho que a experiência com Parasita exacerba o discurso e o olhar. Estão contrapostas visões de mundo distintas que só convergiriam se os personagens verdadeiramente se colocassem uns no lugar dos outros, o que efetivamente não acontece. Aos poucos, as molas sociais revelam outras camadas além do abismo entre si.

Estão em cena igualmente bem colocadas as mágoas provenientes não de traumas familiares, mas desses espaços apartados. São dois núcleos familiares que se interligam pelos laços de sangue, mas que mostram duas realidades distintas, que é amplificada por tais elementos. Uma Família Normal aproveita exatamente o momento onde a crise econômica mundial afeta dentro e fora das discussões e relações, para também colocar em cena a falência moral que se alastra entre os meios. Com posições bem definidas, que imaginamos com alguma obviedade oriunda do melodrama, a narrativa mostra um outro lado de personalidades que se imaginam conhecidas. 

O diretor Hur Jin-ho há mais de uma década atrás adaptou a obra de Choderlos de Laclos, Ligações Perigosas, para dentro do universo oriental. Sua nova obra adaptada é mais bem sucedida, porque acima de tudo, repercutiu mais. Além disso, existe um detalhamento estético em Uma Família Normal que acaba por tornar-se um personagem subjetivo da produção. Quando os ambientes são delineados pela obra, e temos de maneira palpável a partir dos espaços cênicos a certeza do relevo do filme, é porque o trabalho está evidente em cena. O trabalho de caracterização, assim como a direção de arte do filme, comunicam muito essa história que se desenrola a partir do que é dito, mas também pelo que é mostrado, como os espaços que existem entre as pessoas, separadas por mesas e paredes. 

É um trabalho que comunica o que é visual e o que é narrativo, e não estou falando exatamente do roteiro e seus diálogos, mas como no filme de Bong Joon-ho, sua construção estética e geográfica. Muito menos ambicioso que o filme vencedor do Oscar, Uma Família Normal pode se concentrar em detalhes especiais, como um ambiente ou a criação visual de um personagem. Nesse sentido, talvez essa seja a melhor adaptação de um livro que foi muito desgastado, no sentido de ser a mais limpa, ou a mais preocupada em traduzir isso, que é essencialmente verbal, em um estudo visual do estado das coisas. O problema, para quem já assistiu as outras versões (como eu), é a repetição de todas as ideias, que não tem diferenciação – e provavelmente nem teria como ter. 

Ou seja, para quem não viu versões anteriores de Uma Família Normal, a sessão tem valor dobrado. Trata-se de um roteiro cheio de camadas e que reflete muito a contemporaneidade, em suas discussões classicistas e na sua abordagem sobre as relações humanas, dentro e fora dos cômputos familiares. Para quem já viu mais de uma abordagem dessa narrativa, o que fica é a qualidade do que é humano ali, já que o frescor se perdeu em algum lugar. Como não se tratam de olhares que tenham sido badalados anteriormente, a estreia sul-coreana cumprirá de maneira exemplar o seu papel de entreter e fazer refletir. 

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