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Morreu Ferreira Gullar, o “poeta experimental radical”

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Me pediram pra escrever uma nota sobre o falecimento do Ferreira Gullar. Mas que nota? Dizer que ele, certa vez, se definiu como o “poeta experimental radical”, que nasceu no Maranhão em 1930, que decidiu se tornar poeta durante a adolescência, frequentando os bares intelectuais e boêmios da Praça João Lisboa e o Grêmio Lítero-Recreativo da sua cidade natal? que ganhou prêmios, Jabutis, Camões, que foi proposto ao Nobel de Literatura? que foi contemplado com o título de Doutor Honoris Causa na Faculdade de Letras da UFRJ? que foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, onde seu corpo está sendo velado nesta manhã? que nota eu posso fazer para falar da sua vida e da sua morte e da sua figura de relevo no panorama da poesia e da crítica de poesia desde a segunda metade do século XX? É suficiente dizer que teve papel de destaque na produção de uma literatura em moldes populares como poemas de cordel? Que parte da sua obra escapa aos rótulos e tem como destaque o “Poema sujo” e o livro Dentro da noite veloz? que era comunista, que lançou a luta corporal na poesia concreta e na vida (se é que há diferença)? que integrou o neoconcretismo, com Lygia Clark e Hélio Oiticica? que foi ele quem escreveu o manifesto do movimento, em 1959, publicando em paralelo o ensaio “Teoria do não objeto”, obra seminal do grupo? que foi detido pelo DOPS, em 1964, e passou a viver em Moscou, Santiago, Lima e Buenos Aires, onde escreveu o seu “Poema Sujo”? que voltaria, finalmente, pro seu país e que seria novamente preso e torturado durante 72 horas até ser libertado graças à intervenção de amigos artistas? que, depois de tudo, ainda escreveu mais poemas, traduziu, ganhou mais prêmios literários, colaborou com jornais e se tornou argumentista televisivo? que além de publicar coletâneas poéticas e ensaios sobre poesia e artes plásticas, ele aparecia, nos últimos anos, subsumido no polemista (ou mesmo preconceituoso) cronista semanal do jornal Folha de S. Paulo? Nunca sei o que escrever nestas notas. Tenho medo que esperem que eu diga que o poeta, escritor, dramaturgo, crítico de arte, biógrafo, tradutor e cronista morreu ontem no Rio de Janeiro, aos 86 anos, no Hospital Copa d’Or, por complicações pulmonares que derivaram em pneumonia. Mas isso não é suficiente. Ele fez melhor ao escrever sobre a morte no “poema sujo”:

Corpo meu corpo corpo
que tem um nariz assim uma boca
dois olhos
e um certo jeito de sorrir
de falar
que minha mãe identifica como sendo de seu filho
que meu filho identifica
como sendo de seu pai

corpo que se pára de funcionar provoca
um grave acontecimento na família:
sem ele não há José Ribamar Ferreira
não há Ferreira Gullar
e muitas pequenas coisas acontecidas no planeta
estarão esquecidas para sempre

Mas nada será esquecido, não quando se reflete sobre o lugar e a função da vanguarda e da poesia na sociedade contemporânea e, sobretudo, num país onde “não há vagas”. Como o nosso.

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