- Publicidade -

Cristiano Bortone faz uma análise sobre o livre-arbítrio e suas consequências

Publicado em:

Se tem um elemento que, há muito, atingiu um status universal, este elemento é o café, sem dúvida alguma. A bebida, resultante da infusão dos grãos rubros torrados do cafeeiro, é uma iguaria que se espalhou pelo mundo, sofreu adaptações, e passou a integrar a rotina de milhões de pessoas devido ao seu aspecto energético, ideal para começar o dia. Ou seja, o café, hoje, é parte da vida, e, partindo desta premissa, o filme de Cristiano Bortone estabelece um paralelo entre a existência humana e os diferentes sabores que o café pode ter, utilizando a substância como um elemento simbólico que tinge cada uma das narrativas que compõem este enredo.

Assim, o longa – uma co-produção Itália, Bélgica e China – acompanha três histórias distintas, as quais se desenrolam alternadamente nestes três pontos do mundo, sempre permeadas – e até mesmo embasadas – na bebida. Primeiro, o espectador é apresentado a Iraqi Hamed (Hichem Yacoubi), um iraquiano dono de uma loja de penhores que vive na Bélgica com sua esposa e seu filho. Quando uma onda de protestos violentos começam a surgir por causa da situação econômica do país, o estabelecimento de Hamed é saqueado e um objeto de grande valor sentimental – um pote de café – é roubado. Por acaso, o homem descobre a identidade do ladrão e, apesar de sua natureza pacífica, decide fazer justiça com as próprias mãos.

Enquanto isso, na Itália, Renzo (Dario Aita), um jovem sommelier amante de café é demitido do bar no qual trabalha – no qual ganha pouco – e vê nisso uma oportunidade de tentar recomeçar a vida em outro lugar em um emprego que realmente goste. Desta forma, ele e a namorada, Gaia (Miriam Damazio) – que também está desempregada e acabou de descobrir que está grávida -, mudam-se para Trieste, a capital da produção de café, onde um amigo de Renzo lhe arruma um emprego em uma fábrica da bebida. Quando um grande carregamento de Kopi Luwak – o café mais caro do mundo, feito a partir das fezes de civeta, cujo quilo pode valer milhares de dólares – chega à empresa, Renzo e seus novos companheiros de trabalho armam um plano para roubar a mercadoria.

Já na China, Fei (Fangsheng Lu) é um jovem de origem humilde que conseguiu ascender socialmente, tornou-se o gerente de uma grande empresa química e está noivo de Ching Lan (Yimo Li), uma mulher esnobe e alienada da elite. Ele acredita ter a vida perfeita, sendo sua única preocupação os preparativos para o casamento, até que seu chefe – que também é seu sogro – o envia para solucionar um problema na fábrica de Yunnan, região que é a principal produtora de café do país – e cidade-natal de Fei. Ao chegar lá, ele percebe que a situação é muito mais complexa do que imaginava, o que o coloca em um dilema ético que ameaça o vale com um nível irreparável de poluição química. E, ao visitar o local em questão, o rapaz conhece a jovem artista A Fang (Zhuo Tan), que o faz confrontar seus demônios interiores do passado.

Desta forma, tendo o café como elemento de ligação e força propulsora, o roteiro passa a realizar uma análise sobre o livre-arbítrio e suas consequências, sempre usando a bebida e todas a suas nuances como metáfora. É verdade que, por vezes, a narrativa peca pelo excesso de didatismo, mas é um excesso pequeno que não atrapalha o desenvolvimento da trama, uma vez que, nesses momentos, fica claro que a intenção é apenas exaltar o item-título. Um acerto do enredo está na forma gradual como os acontecimentos de desenrolam; todas as três histórias começam de forma absolutamente ordinária – quase prosaica -, a fim de inserir o público no mundo daquelas personagens.

Conforme o longa avança para o segundo ato, é perceptível que cada trama passa a adquirir seu próprio tom, indo do suspense ao drama homecoming, passando pela ação policial. E muito dessas atmosferas particulares se deve a cinematografia, que consegue criar ambientações distintas e, ao mesmo tempo, manter uma unidade, assegurando que as três histórias pertencem ao mesmo filme e não são apenas esquetes embaralhadas ao longo de uma hora e cinquenta minutos, o que pode parecer muito tempo – em especial, considerando o começo lento -, porém, as atuações conseguem prender a atenção do espectador por serem todas carismáticas – até mesmo em relação às personagens “vilanescas”. Aliás, é importante destacar, no quesito interpretação, há um destaque: Zhuo Tan; a atriz tem uma participação pequena se comparado a maior parte do elenco, mas o misto de docilidade e força que ela consegue expressar em suas poucas cenas é extremamente cativante.

Por fim, Café pode, de início, parecer pouco nítido – principalmente devido a sua sinopse vaga, a qual faz com que o espectador não saiba exatamente do que o filme se trata -, no entanto, acaba, surpreendentemente, entregando o que promete – às vezes, de forma ligeiramente maniqueísta, é verdade, mas de forma venial -; é uma produção que mostra como decisões que, à primeira vista, podem parecer simples, cotidianas e livres de quaisquer riscos são capazes de tornar a vida – tal qual é dito na primeira cena do longa – amarga, azeda ou perfumada como os diferentes tipos de café podem ser, e, apesar de as três histórias possuírem todos esses matizes, à medida em que o enredo avança, o público tenta identificar qual narrativa representa cada um destes sabores.

 

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
3.870 Seguidores
Seguir
- Publicidade -