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Cinema e o racismo: o dilema entre o não ser e ser subalterno

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Por: Tatiane Alves

Quando a sétima arte não coopera para a construção da identidade nacional.

 O cinema nacional sempre olhou para as salas de exibição fora do país e para a premiação do Oscar como uma meta a ser alcançada. O cinema negro como tudo aquilo que não está no centro, mas à margem, olha para o cinema nacional com um desejo muito mais simples: cobrar a responsabilidade e a desconstrução de estereótipos. Pois, um fato incontestável é a não inclusão de pessoas negras nesse lugar. E quando o existe é sempre pela ótica do exótico, da violência e da pobreza. E, tratando da indústria em si, o que não falta são relatos de cineastas e profissionais negros em dificuldades para conseguir oportunidades.

Em tempos de pandemia, e em pleno século XXI, sob os gritos de uma população cansada de pedir pelo fim das “balas perdidas” aqui no Brasil e da violência desmedida que mata, diariamente, corpos negros no mundo todo como no caso recente de George Floyd nos Estados Unidos, uma onda de protestos explodiram em vários países levantando uma questão fundamental, o racismo.

Racismo esse que perpassa pelo cinema e por todas as produções audiovisuais, cuja estética e cadeia produtiva ainda caminham a passos lentos em direção a equidade e o devido respeito pela maioria que é sempre colocada no lugar de minoria. Começa pelo próprio epicentro da indústria cinematográfica, em Los Angeles, Hollywood. Recordemos o discurso de Viola Davis, atriz negra, norte-americana que ao receber seu primeiro Emmy, em 2015, disse em alto e bom som que “a única coisa que diferencia as mulheres negras de qualquer outra é a oportunidade”.

Quando pensamos em filmes nacionais de projeção internacional, certamente, vem à mente filmes como Central do Brasil, Cidade de Deus  e Tropa de Elite. Respectivamente dirigido por Walter Salles, Fernando Meirelles e José Padilha. Qual a fórmula do sucesso desses filmes?

Há quem diga que está no modelo de negócios, parcerias entre produtoras nacionais e internacionais, leis de incentivo capazes de dar conta do financiamento e da distribuição. Mas, ouso dizer, o segredo está na narrativa. É a história que faz com que as pessoas vivam a experiência imersiva proporcionada pelas telas do cinema. Por isso, ainda que sinta o temor de arriscar, afirmo que, pessoas brancas são, em geral, as mesmas que possuem os meios para dar visibilidade a obras cinematográficas feitas para entreter elas mesmas.

Se o sucesso se dá por conta da história em si, por que não existe espaço para pessoas negras mostrarem suas competências e criarem produções em que elas sejam as protagonistas? Por que esse lugar ainda não é ocupado por quem, segundo o IBGE, representa 55% da população brasileira? A resposta é que o cinema nacional, ainda hoje, reflete o resultado do processo histórico e sociopolítico brasileiro.

E, embora pareça ser uma discussão difícil, ela é capaz de gerar grandes mudanças. Um cinema mais inclusivo é fundamental para a criação de uma identidade cultural com mais cara de Brasil, mais próxima da nossa realidade. Nesse sentido, surge um cinema negro potente, de correria, muitas vezes, feito na ‘gambiarra’ que se consolida dentro e fora do circuito comercial. Um cinema negro que se propõe a ser um movimento político e que se coloca à disposição para contar as histórias de uma parcela da população que insiste em ser invisibilizada, da qual, ela mesma faz parte.

O cinema negro que desafia a lógica da precariedade, quando não é convidado a participar dos grandes festivais, exibir seus filmes nas principais telas, quando não consegue financiamento para a produção de um filme, se reinventa e na contramão, existem iniciativas. Uma delas é o AFROFLIX. Uma plataforma colaborativa que disponibiliza conteúdos audiovisuais que tenham, pelo menos, uma área de atuação técnica ou artística realizada por pessoas negras. Como janela fundamental está o Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul: Brasil, África, Caribe e Outras Diásporas. Com 12 anos de existência e resistência, segue exibindo curtas, médias e longas metragens feitas por pessoas negras carregando no nome, a ancestralidade de um dos maiores expoentes da cinematografia afro brasileira. Todo ano, desde 2007, a mostra celebra a diversidade dos países participantes e reafirma que a colaboração é um forte elo entre negros e negras ao redor mundo.

Não poderia deixar de citar o Dogma Feijoada, um movimento de diretores e profissionais negros do audiovisual de São Paulo que, na década de 90, já chamava a atenção para a necessidade de trazer uma imagem mais positiva para pessoas negras.

Seja aqui no Brasil ou nos Estados Unidos, o cinema negro tem como papel principal a função de descolonizar o olhar, mostrar toda a vida e potência da diáspora africana nas Américas. Pensar o Brasil a partir das “minorias” é reformular o imaginário social, resgatar a humanidade, apresentar novas representações e propostas estéticas. Que esse cinema negro possa ganhar cada vez mais espaços, pois é urgente desfazer os resquícios dos 400 anos de escravidão que insiste em medir o direito à vida pela cor da pele.

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