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Ó Pai Ó 2 um painel de axés

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Após 15 anos, atores, oriundos do tradicional Bando Teatro Olodum, são os mesmos da primeira versão.

Sintonizado com ícones populares cujo ímã inicial dos holofotes foi a música, fosse na MPB de aspirações tropicalistas (Meu Nome É Gal), o Samba (Mussum, o Filmis) e o Funk melody (Nosso Sonho), os maiores sucessos populares do cinema brasileiro neste segundo semestre rechaçam práticas intolerantes históricas do país, além de ser uma bifurcação social e cultural na qual a serelepe parte dois de Ó Pai Ó 2  faz ninho.

Ó Pai Ó 2Um ninho derivado da dramaturgia de Márcio Meirelles, que choca com bom humor, misturando uma série de registros lúdicos (do musical à manifestação do Maravilhoso, sob a ação dos orixás), na ginga de Lázaro Ramos no papel do bardo Roque. Desprende-se do longa-metragem dirigido por Viviane Ferreira uma evocação indisfarçável a “Rio Zona Norte” (1957), de Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), e a “O Grande Momento” (1958), de Roberto Santos (1928-1987), dois clássicos do pré-moderno no Brasil.

Ambos olhavam para um Brasil periférico. Do cult de Nelson, a realizadora do aclamado Um Dia Com Jerusa (2020) se aprochega por meio do interesse por compositores populares vilipendiados por uma indústria exclusiva e racista. Já o papo histórico com o cult do (por vezes esquecido) Santos se ensaia no interesse dela (similar ao dele) em cartografar periferias sob o viés da luta de classes, livrando sua abordagem sociológica de uma poética de tom naturalista e do funcionalismo (ou seja, a analogia entre grupos sociais e órgãos do corpo). Dessa forma, a micareta audiovisual que Viviane nos entrega bate cabeça para uma tradição fundadora da brasilidade em nossa linguagem de filmar.

Sua estrutura narrativa é painelista, como se fosse um “Short Cuts” baiano. Roque está lá, mas não é o centro das atenções no barravento que sacode a paz e a harmonia de uma comunidade do Pelourinho quando o bar de Neuzão (Tânia Tôko, luminosa em cena) é vendido à força para um grupo sul-coreano. Neuzão também não é protagonista. Cada personagem é uma pecinha preciosa (um vetor de ação, de respiro ou de reflexão) no jogo de armar arquitetado no roteiro de Elísio Lopes Jr, Daniel Arcades, Igor Verde e a própria Viviane, com a colaboração de Luciana Souza, Bando de Teatro Olodum e Rafael Primot. Em uníssono, essas cacholas de expertises de múltiplas variantes produzem diálogos dignos de anotação, sobretudo: “Um homem sem barriga é um homem sem história”, dito por Érico Brás.

Um dos méritos da franquia – expandida para a televisão, como seriado, em 2008 e 2009 – é a aposta nessa estrutura de painel, abordando temas como homofobia, transfobia, aceitação das diferenças, azedumes com a religião de outrem, a pindaíba nos centros urbanos turísticos e as fuleiragens amorosas e alcoviteiras entre quatro paredes. Aquelas paradinhas que só faz com quem se gosta reinavam já no filme de 2007, sob a direção de Monique Gardenberg, voltam a regar de pimenta e dendê o acarajé da vida em coletividade, mas sem derramar o caldo para a pia da sensualidade.

Tem elementos da tecnologia (com toques de realidade virtual) e debates sobre gentrificação na trama que circunda a reviravolta no cortiço de Dona Joana (Luciana Souza) com o golpe sofrido por Neuzão e um duro golpe na luta de Roque (Lazinho, um sol em cena) para ter seu crédito na autoria de um hit. É a Festa de Iemanjá, uma das mais populares do calendário da do axé, que promete mudar os rumos desse povo.

Além disso, é a fluidez da montagem de Natara Ney e Guta Pacheco que assegura leveza ao fluxo de personagens, garantindo a cada um espaço para solar. Na direção de fotografia cálida (mas na medida certa) de Lílis Soares, sintonizada com a bem recheada direção de arte Raquel Rocha, o colorido da Bahia passa por um livramento contra exotismos e raia com toda a sua luz. Ó Pai Ó 2 é um filme leve e despojado, que traz sobre seu sabor único um clamor.

 

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