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“Gênero Livre” faz aeróbica da aceitação nos palcos

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Na esteira do oceano de láureas que conquistou ao longo de 2023, a começar pelo Prêmio do Júri do Festival de Berlim, pelo doc. ensaio “Orlando, Minha Biografia Política”, o filósofo trans não binário (e agora também cineasta) Paul B. Preciado esculpiu uma máxima fundamental para o entendimento de peças como “Gênero Livre”, hoje em seu último dia em cartaz no Teatro Glauce Rocha. Segundo sua biopolítica, vívida nas páginas de livros como “Eu Sou o Monstro Que Vos Fala”, encontramos uma homilia nova na reflexão das lutas por afirmação e fruição de identidade: “Ousemos, então, formular a seguinte hipótese: as matérias-primas do processo de produção atual são a excitação, a ereção, a ejaculação, o prazer e os sentimentos de autossatisfação, o controle omnipotente e a destruição total”. Essa homilia de Preciado não é um “vinde a mim”, nem é um “vosso reino”, mas, pelo contrário, uma reza de alerta. O texto encenado com plena destreza por Christiana Guinle no Centro do Rio também.

Gênero Livre
Foto: Junior Mandriola

Escrito por Pedro Henrique Lopes e dirigido por Ernesto Piccolo, o texto de “Gênero Livre” se comporta como um colóquio, uma espécie de aula magna, mas sem abrir mão da força cênica de sua teatralidade. É, certamente, teatro puro, ainda que numa perspectiva anfíbia, de palestra, com direito a consultas à plateia, sobretudo num entrevero acerca de cortes de cabelo. Pela extensão, seja comprida ou de look Joãozinho (termo sexista em si), de uma cabeleira, um ente é rotulado, enquadrado, definido.

A beleza maior de “Gênero Livre” é nos oferecer uma perspectiva sem taxonomias do viver como a frase mais linda em cena: “Meu feminino engravida”. Já a frase de maior picardia (hilária quando ouvida): “O cu é o símbolo da igualdade”. São tiradas essenciais para uma comédia humana que compacta sobre a aceitação de diferenças, em forma de monólogo, aqui Christiana dimensiona escolhas que mudam tudo, sobretudo sob a vigília de uma sociedade judicativa.

Mesclando vivências pessoais e a criação de um personagem que é, a um só tempo, alter ego e “eu lírico plural (sem lenço nem documento), Christiana atomiza as dimensões do verbo de modo a tornar o que aparentava ser um aulão de cuspe-giz num experimento físico. Em cena, mesclam-se desabafos em primeira e terceira pessoa, fatos da História (como a fundação de um periódico pioneiro das lutas identitárias), além de uma viagem transformadora a Londres e até uma provocação a Noel Rosa (na citação do verso “Mulher Indigesta”). Tudo isso na busca por um entendimento da fluidez de gênero, sem que se descartem sensos relativos e absolutos.

Contando com a expressão criativa de Kattia Hein e Mark Benjamin na assistência de direção, Piccolo desenha com graça as soluções narrativas de “Gênero Livre”, apoiado numa ígnea trilha sonora que vai da suavidade ao pancadão, estruturada por ele por Pedro Henrique. Destaca-se a coreografia e a preparação corporal de Kallanda Caetana no farto ferramental gestual de Christiana em cena.

A temporada termina neste domingo, às 18h, no Glauce Rocha, mas merece voltar – e logo. Confira o serviço completo!

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