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Todo Mundo Ama Jeanne, de Céline Devaux, aborda a relação com o amor próprio

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Tem momentos na vida onde só desejamos ficar só, as vezes somos má companhia para nós mesmos, e temos consciência que ninguém merecerá ter desaguado em si nossa dor, ou amargura, ou melancolia. Em Todo Mundo Ama Jeanne, Jeanne Mayer acabou de ir do céu ao inferno, depois de ser considerada por muitos como A Mulher do Ano por um projeto ecológico que tomou de assalto o país, o mesmo projeto se mostrou falho em proporções gigantescas. Agora ela está falida, sozinha, em outro país, tentando encontrar silenciosamente os motivos para esse inferno astral. Todo Mundo Ama Jeanne demora a mostrar suas intenções, mas quando os pontos deixam de ser nebulosos, encontramos nessa figura mais do que alguém para abraçar, talvez, alguém que veríamos no espelho.

Céline Devaux é a diretora e roteirista por trás dessa história feminina que não visa chacoalhar nossas percepções, mas mostrar como o amor próprio é extremamente fácil de perder, e que a origem das coisas dificilmente deixa de ser familiar. Jeanne precisa se livrar não apenas do apartamento que a mãe deixou ao morrer, mas de tudo que vem a reboque de ser filha de uma pessoa narcisista e que escolheu o afastamento dos filhos. Ao retornar a Portugal, país que lhe conecta ao que não gostaria, a protagonista sente que a conexão com essa mulher que não chegou a compreender permanece intacta. Ela não está apenas nos móveis e nas roupas, mas principalmente é um fantasma que a relembra de sua falência, não apenas a monetária.

Todo Mundo Ama Jeanne, ao contrário do que a superfície mostra, é um filme cujo discurso tem muito mais curvas do que explicita. É um filme sobre o estado das coisas em uma Europa constantemente em crise, mas que vê o velho mundo português como um lugar de ascensão, libertação e renovação. É, certamente, uma visão corajosa vinda do cinema francês, que tem uma tradição auto centrada, e permite observarmos que as novas gerações – e o filme investe em uma nova mulher que vem aí, ressurgida com menos gatilhos – terão uma chance de aprender com a tradição. Ao mesmo tempo, é um filme que olha para os projetos de crescimento, individual e coletivo, e mostra que precisamos aprender a lidar com os fracassos, de ontem e de hoje.

Apesar de escolher um personagem apenas para dissecar, Todo Mundo Ama Jeanne tem outros três tipos, masculinos, que gravitam na protagonista, mas nenhum está bem, de maneira alguma. Entre a conformação com seu estado dissonante, o entendimento de uma lógica egoísta aplicada à exatidão e um espírito talvez livre demais, Jeanne ainda detém a centralidade das ações, em uma certa coerência. Existe nela a vontade e a necessidade do recolhimento, mas também a ciência de que esse é um período de reajuste onde você não simplesmente se transforma em outro ser, mas tenta aprimorar o que você já é. Nesse sentido, o filme (ainda bem) não cultua a lógica do cinema estadunidense, onde a pessoa precisa passar por um período ‘porra louca’ para se reencontrar. Não há necessidade, não falta inteligência emocional a ela… talvez isso até exista em demasia, e por isso o período de afastamento seja abraçado com maturidade.

Há um olhar solar para o que está acontecendo, e uma vontade verdadeira de incorporar o passado a uma espaço de conserto, e não de manutenção do mal. As visões que Jeanne tem com a própria mãe funcionam como um mix provocativo, onde vemos o mal causado, mas também uma tentativa de reconciliação com o que não pode ser mudado no outro – aqui no caso, literalmente. O que deve mudar sempre seremos nós, e Todo Mundo Ama Jeanne trata desses temas sem qualquer sinal pedagógico; tudo está diluído nas imagens e nos que elas provocam.

A despeito do belo trio de atores, onde revemos o português Nuno Lopes, o ótimo Maxence Tual empresta delicadíssima naturalidade ao seu tipo, e Laurent Lafitte (de Elle) poucas vezes tenha estado tão impressionante, além disso, Todo Mundo Ama Jeanne é uma festa para Blanche Gardin. Quando elogiamos atores no audiovisual, sempre imagino que o leitor se conecte a uma ideia extrovertida de atuação. Aqui isso passa longe, Gardin se parece com uma vizinha, uma amiga, alguém que está no interior dos eventos pra valer, vivendo eles com extrema naturalidade. Sem lágrima, gritos ou discussões exaltadas, e sim uma mulher que nem tinha descortinado que precisava reencontrar seu lugar no mundo, mas se encontrou e permitiu que não deveria ter desaparecido de si mesma.

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