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Fértil em musicais, o ano teatral se destaca por diálogos com a literatura

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Ano teatral trouxe aos palcos cariocas diferentes gêneros e diferentes formatos com uma gama de musicais e monólogos.

Para o público paulistano, a escolha de um panteão do que se viu de melhor no teatro de janeiro a dezembro conta com um facilitador, que foi a dobradinha de Gerald Thomas e Marco Nanini em “Traidor”, o que garantiu às artes cênicas deste país um novo marco. No Rio de Janeiro, a praça do Rota Cult, o cenário de excelência não tem um monolito desse porte, mas pulverizou alvíssaras da invenção por diferentes gêneros e diferentes formatos. O ano teatral contou com ponto mais sublime de 2023 nos palcos cariocas foi “O Menino É Pai do Homem”, a investigação semiótica das “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), de Machado de Assis (1839-1908), feita por feita por Moacir Chaves.

NAVE DE LUZ - ano teatral
Foto: Dalton Valerio

Para além da excelência de seu elenco, embalado pela música de Gustavo Corsi, a peça tomou o Sesc Copacabana de assalto com um novo um espaço cênico, multimídia. Trata-se de um espaço concebido pelo iluminador Paulo Cesar Medeiros e desenvolvido pelo cenógrafo e artista visual Sérgio Marimba, batizado de “NAVE DE LUZ”. É uma estrutura de 12m x 7m x 3m, contornada por coloridas luzes de led, subdividida por tecidos translúcidos que permitem a utilização de projeções e facilitam a proposta de geometrias capazes de surpreender olhares.

Machado ainda foi bem exumado por Paulo de Moraes, no CCBB, num “Brás Cubas” de tônus necropolítico, capaz de revelar os crimes de racismo do Brasil do século XIX e expor o quanto eles seguem vivos nos anos 2020. São evidências de que a intertextualidade entre teatro e literatura segue viva em nossos palcos.

Se o ranking das retrospectivas comportasse um Prêmio Especial do Júri (assumindo que a Palma de Ouro foi para Chaves), essa láurea, em 2023, ficaria com Cecília Ripoll por “Memórias de uma Manicure”. A atuação febril da dupla Luciana Mitkiewicz e Carla Soares agitou o Centro Cultural Justiça Federal (CCJF) com um debate sobre cumplicidade entre “escultoras de unha”. É um melodrama de Almodóvar a céu aberto.

“Para Meu Amigo Branco"
Foto: Gabriella Maria

Falando uma vez mais do terreno antirracista aberto por “Brás Cubas” (com esplendor), “Para Meu Amigo Branco” merece todo o realce, não apenas pela urgência da pauta – e pela serenidade em sua abordagem –, mas, por flagrar a potência que Rodrigo França vem se tornando como encenador. Sua habilidade para extrair conflitos – e fazer deles sólidos painéis cênicos – a partir da literatura de Manoel Soares é uma prova de destreza.

Que se ponha nesse pacote de encenações sublimes o trabalho de Jefferson Almeida na doída “O Homem Que Esqueceu a Própria Música, Uma Autobiografia Inventada”. É um estudo sobre a noção de paternidade a partir da memória – e seu apagamento.

Palcos que cantaram a plenos pulmões como uma onda de musicais nada quadrados, a se destacar “Noel Rosa – Coisa Nossa”, no Teatro Prudential, que comprova como segue vívida a pena de Geraldinho Carneiro, poeta nato, ao adentrar pela dramaturgia, bem calçado por Cacá Mourthé. A concepção plástica da cenografia e dos figurinos, cujo esmero é notável, traz a grife de Ronald Teixeira, parceiro de Domingos de Oliveira (1935-2019) em filmes de matriz cênica, como “Juventude” e “Separações”. Sambando, Fábio Enriquez e Alfredo Del-Penho lembram Tom & Jerry em cena, desfilando bom humor.

"A Vedete do Brasil"

Nesse espaço das aves canoras, vale destacar Bela Quadros, que aparece em estado de graça em “A Vedete do Brasil”, dividindo com Sueli Franco o papel de Virginia Lane (1920-2014). O trabalho de Fernando Caruso em “O Jovem Frankenstein” deve ser devidamente afagado também, em sua pícara reinvenção para o ferrabrás Igor.

No campo das interpretações mais intensas que passaram pelos palcos, Rose Abdallah reinou soberana em “Só Vendo Como Dói Ser a Mulher de Tolstói”, no Teatro Dulcina, aliás, o domínio pleno do ferramental gestual dela alcança o apogeu nesse estudo sobre intolerâncias sexistas. Valquíria do cinema independente, a realizadora, bailarina e atriz Patrícia Niedermeier inflamou o Estação NET Rio ao viver a cineasta Maya Deren em um misto de teatro, performance e ensaio audiovisual.

Por fim, o ano teatral de 2023 trouxe a concepção de Milhem Cortaz para a persona fraturada do homem eslavo do fim do século XIX (qual o homem do século XX e o de agora) do “Diário de um Louco” de Gógol. Há que se destacar ainda a mistura de Mazzaropi com Mister Bean feita por Luiz Machado em “As Aventuras de Molière”. Nessa triagem de destrezas vistas em cena, seria leviano fazer qualquer balanço de resultado das experimentações teatrais de 2023 sem um aplauso para Jayme Periard em um processo de autoimolação em “A Quebra”. Se houve uma grande surpresa este ano, foi a entrada do astro de “O Portador” para o terreno do monólogo.
Que 2024 vá por essa mesma linha!

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